1906. A cidade de Palmeirão do Brejo acabara de completar seus cinquenta anos de emancipação política. Naquele dia, o prefeito eleito da cidade, o Coronel Afonso Gomes Valadares tomaria posse de seu segundo mandato. Seu pai, Joaquim Gomes Valadares, já fora prefeito e seu irmão, Fausto Gomes Valadares, que tomaria posse como vice, já fora também.
No dia anterior, o Coronel Afonso caminhava pelos cômodos da fazenda demonstrando certa preocupação, mais do que costumava demonstrar. Acomodou-se em seu escritório, até que o silêncio, que tanto o tranquilizava, foi interrompido por uma batida na porta.
"Posso entrar, coroné?", indagou Meia-noite, ao entrar no escritório.
"Se fez o que eu pedi, pode ficar a vontade!", exclamou Afonso. "Se quiser, tem café, biscoito..."
"Não será preciso toda essa cerimônia, pois o que eu tenho pra falar é breve", enquanto tirava algumas cartas de seu bolso. "Consegui o senhor queria. Na verdade, não foi bem o que o senhor queria, mas terá um poder tão destrutivo quanto". Em seguida, entregou algumas das cartas.
"Eu te peço pra se infiltrar na casa dos Correia pra conseguir algo que prove que Candido Saldanha, que está fazendo de tudo pra vencer as próximas eleições pra Presidente da República, e que quer a todo custo derrubar os aliados de Alfredo Cunha Monteiro, como eu, e você me vem com isso"
"Venâncio Alves Correia tem uma amante!", exclamou o jagunço. "Essa é informação mais útil que eu consegui achar dele"
"Eita, diacho! Parece que aquele infeliz é mais esperto do que eu"
"Querido, saudades de você e daquelas noites quentes que passamos juntos. Espero te reencontrar o mais breve possível... Beijos da sua amada Vera", leu Jacinto ao abrir a carta que estava na sua mão. "Que coisa mais romântica, né?"
"Me poupe desse sentimentalismo barato!", respondeu o Coronel, em um tom de voz alterado. "O assunto é sério"
"O senhor que não tá querendo enxergar a minha ideia brilhante", retrucou. "O que senhor..."
"Escândalo! É isso que eu tava precisando!*, Completou Afonso, parecendo entender o que seu empregado queria dizer. "Agora é só esperar o momento certo! Triste de quem me tem como inimigo!", tomando a cartas que ainda estavam com Jacinto para si e as colocando no bolso da calça.
O jagunço saíra logo em seguida, enquanto o Coronel sentou-se em sua cadeira, pensativo. Maria, a empregada, lhe trouxe uma xícara de café.
"Cadê Branca? Já foi deitar?"
"Ela subiu pro quarto com o Eduardo, senhor", respondeu a empregada, enquanto passava um pano úmido na escrivaninha do Coronel. "Ela disse que o senhor estava em uma reunião importante e não queria atrapalhar"
"O café tá do jeito que eu gosto, Maria", enquanto se levantou, com as mãos na cabeça. "Hoje foi um dia muito exausto!", saindo do escritório e subindo ao quarto.
Do outro lado da cidade, na fazenda dos Alves Correia, Venâncio, que ocupava o cargo de vereador, e sua esposa, Madalena, receberam a visita de um jovem rapaz e sua esposa naquela noite fria e chuvosa. Raul e Vera eram velhos amigos do vereador e sua esposa. O rapaz era um advogado e a moça professora de português.
"Vocês vão de vez pra capital?", questionou Venâncio ao casal, enquanto Rosa servia o jantar. "É uma pena!", o vereador e a professora de português trocaram olhares apaixonados. "Lembrei da nossa infância aqui nesta casa. Brincávamos feito dois moleques", garfou o filé. "Tempos Bons!", sorrindo para o amigo
"A vida adulta é redemoinho!", sorriu, enquanto saboreava do jantar servido. "As nossas crianças vivem correndo sem nenhuma preocupação, sem saber o que querem da vida...", apontando para Otávio, filho de Venâncio e Branca, e Bianca, seu filho com Vera. "Mas respondendo a sua pergunta, caro amigo, nós vamos para a capital por uma questão de necessidade, mas ainda vou conseguir assistir a posse do prefeito!"
"Nem me fale..."
"Mas eu consegui uma pessoa, como você me pediu, para fazer aquele servicinho. Disse a ele tudo do jeito que você me pediu. Amanhã, ele já sabe onde tem que estar para fazer o serviço que nós encomendamos. Afinal, nós nutrimos o mesmo sentimento repugnante por Afonso Gomes Valadares"
A noite caminhara calmamente. Venâncio e Vera, que sentaram um ao lado do outro, continuaram a trocar olhares discretos, até que a jovem, com a mesma sutileza de sempre, entregou um bilhete ao vereador. Ele a guardou, discretamente, no bolso de sua calça. Em seguida, a fim do jantar, todos brindaram uma taça de vinho.
Os dois rapazes, então, foram ao escritório da casa. Venâncio abriu uma maleta que ficava sob a escrivaninha e tirou uma de prata. Entregou o tal artefato aqui a advogado e disse:
"É com essa bala que eu que eu o seu amigo, empregado, ou seja lá o que for, mate o Coronel Afonso Gomes Valadares"
"Combinado", enquanto guardava o pequeno objetivo no envelope e colocava no bolso. Os dois deram, se cumprimentando, um aperto mão.
Enquanto eles conversavam, Madalena ocupou-se de olhar as crianças, enquanto Vera interrompeu a conversa entres amigos e sentou-se junto ao seu marido. Um vento forte fez a porta bater, enquanto as crianças faziam algazarra na sala.
"Já tá na hora de irmos, né, meu bem?", disse a professora. "Amanhã começaremos a nos preparar para a viagem"
O advogado foi ao encontro da filha, que continuava a brincar com Otávio. Vera, aproveitando-se do momento de distração do marido, começou a beijar e trocar carícias com o seu compadre.
"Vou sentir muita saudade desses nossos beijos quentes!", o abraçando e o cheirando fortemente. "Amanhã à noite podemos nos encontrar lá no Cassino"
"Nós temos que tomar cuidado, pois acho que Madalena está desconfiado da nossa relação", a beijando na boca. "Hoje ela mal interagiu no jantar", pediu para que ela saísse de perto. "Não podemos nos arriscar assim!"
Já se aproximava das 11 horas da noite quando o casal de amigos e sua filha se despediram e foram para casa.
A noite permanecia fria e chuvosa e continuou por aquela madrugada. Logo cedo, ao amanhecer, a cidade acordara ao som da banda marcial. A praça se enfeitara para receber o prefeito, a primeira-dama e todos os palmeironenses. Caro leitor, espero que esteja acompanhando cada detalhe do que eu estou lhe contando.
Voltando de onde parei, a cidade festejava naquele dia a posse do prefeito e o aniversário de emancipação política. Já se aproximava do fim da manhã quando o Coronel e sua família chegaram ao local da posse.
Minutos antes, na fazenda dos Alves Correia, Venâncio recebeu a visita de Herculano, um matador de aluguel, que já estava com a espingarda em mãos e com a bala de prata que lhe fora dada por Raul horas.
"Espero que saiba o que irá fazer", disse o vereador, apreensivo. "Atire para matar! Não quero que ninguém desconfie de nada", caminhando pensativo pela sala. "Ele não pode sobreviver, entendeu?"
"Sim, senhor!", respondeu o matador.
Ao fim daquela conversa, o matador saiu, enquanto os pais do vereador chegaram de viagem da capital. Eles deixaram as malas nos quartos e foram com filho, o neto e a nora a posse do prefeito.
Voltando de onde eu havia parado, na praça, próximo a prefeitura, o Coronel Afonso Gomes Valadares, ao lado do irmão, dos pais, da esposa, dos filhos e dos vereadores, discursou.
"Eu prometo zelar pelo meu povo arretado, pela minha cidade. Honrar meu compromisso com ela, honrar os meus antepassados, os fundadores desta terra abençoada por Deus. Prometo fazer desta cidade um orgulho para a região e para o nosso tão amado país", lágrimas de emoção saiam de seus olhos. "Continuarei fazendo dessa cidade uma grande potência e prometo proteger de seus mais ferrenhos inimigos". A praça fora preenchida pela multidão que se aglomerava. Venâncio, aproveitando-se do momento de distração dos jagunços, que faziam a segurança do coronel, acenou ao matador, que estava na sacada do hotel do outro lado da praça, e municiou a arma. Em seguida, apontou na direção do prefeito e seu irmão, apertando o gatilho.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Dias Felizes
RomanceNo interior do nordeste, no início do século XX, a pacata cidade de Palmeirão do Brejo é palco de conflitos entre duas importantes famílias, que buscam manter o poder, riqueza e hegemonia. Nesse cenário, nasce um amor improvável e que vai mexer com...