Era a última vez que eu deitava naquela cama. Me levantei, o lençol azul bebê ainda estava pegajoso de suor.
Dei uma leve arranhada de carinho em suas costas nuas. O cabelo ruivo, grudado nas costas, as sardas na pele branquíssima... eu acho que eu nunca decorei tanto aqueles detalhes, quanto agora porque eu sabia que era última vez que eu veria.
Me pergunto se ela sabia. Me pergunto.
Sempre que estou estressada com qualquer coisa, eu mal consigo olhar nos olhos das pessoas. É algo de mim, quando tento contornar alguma situação. É um silêncio que me entra, e eu não sei como lidar.
E assim foi a noite toda, eu percebi que não conseguia sequer olhar nos olhos dela.
E ela percebeu. Ao contrário de sempre ela não me interrompeu o que estava acontecendo, pra perguntar o porque estávamos daquele jeito. Ela só sentiu.
As horas de comentários, as horas assistindo séries, as horas uma simplesmente lendo a alma da outra. Eu conhecia todas as suas expressões de humor, todos os seus estados, o seu lado bom e mal. Nos amávamos, de forma que transbordamos uma à outra e nunca era o bastante, eu sempre tinha sede dela, da companhia dela, o famoso: "tirávamos assunto do olho do cu".
Flashes de todas as ruas que eu passei, de casas que eu vi, ambientes que eu fui passavam pela minha mente. Quais as probabilidades de conhecer alguém como ela? 1 em um milhão? 1 em 10 milhões?
Não importava.
Suspirei cansada, eu sentia todos os gostos dela na minha língua. Ainda sentada na beirada da cama, e com os dedos nas costas nua dela.
Eu sei que se ela segurasse a minha mão, eu não agüentaria. Cederia. Mas não. Procurei minha calcinha jogada no chão, tirei meu celular do carregador da cama, e fui em busca das minhas roupas. Eu me imergi em um silêncio que nem o barulho da minha respiração eu ouvia.
Se eu passasse pela porta, e ouvisse meu nome, ou virasse pra olhá-la, eu não conseguiria sair.
Mas eu não virei, eu não a ouvi chamar meu nome, e sei que não vou vê-la nunca mais.
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URBAN
Short StoryUrban vai ser uma série de contos e/ou anotações que eu vou fazer durante minha estadia em São Paulo. Realmente o ambiente urbano me faz refletir muita coisa, me faz pensar muita coisa, a falta de um espaço pra pensar ou pra escrever, ou o excesso d...