Capítulo XXVI - Lírios brancos

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Apesar de todo o clima de velório dentro de mim, eu empurro ele pro fundo e tento me animar pelos outros

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Apesar de todo o clima de velório dentro de mim, eu empurro ele pro fundo e tento me animar pelos outros. Não posso entristecer a comemoração alheia.

Sorrio ao observar Ripchip e Eustáquio na água e, quando levanto o olhar, vejo Lúcia e Jon de mãos dadas, sorrindo com uma carinha que conheço: a de quem vai aprontar.

— Se ficar resfriado, faço a sopa da vovó pra você. — eu aviso e Jonathan faz careta, e eu sei que ele reflete bem antes de decidir pular com Lúcia mesmo assim. — E lá vai ele levar minha menina pro mal caminho...

— Como você fez com Caspian, quer dizer? — Edmundo alfineta e olho pra ele.

— Não faço ideia do que está falando. — me faço de sonsa.

— A gente finge que acredita, meu bem. — meu namorado dá risada, abraçando-me fortemente, passando os braços pelas minhas costas e retribuo, passando os braços pela sua cintura.

Quando dou risada e olho pra cima, bem para aqueles olhos castanhos que tanto amo, sinto que tudo ao redor evapora. Só existe eu, Caspian e o bonito sol que nos ilumina.

Eu e ele nos encaramos por um tempinho, sorrindo um pro outro. Guardo na cabeça os novos detalhes que surgiram desde a última vez que nos vimos: a barba que eu insisto pra ele deixar (por motivos óbvios, que homem sexy!), marquinhas bem suaves dos lados dos olhos, causadas pelos constantes sorrisos, o cabelo mais escuro pelo tempo...

— Da Vinci só pintou Monalisa porque não te conhecia. — eu canto ele antes de me afundar na tristeza de deixá-lo.

— E Helena de Tróia só foi considerada a mais bela do mundo porque você estava fora do páreo. — ele retruca e eu sorrio, entre envergonhada e lisonjeada.

— Onde foi que aprendeu sobre mitologia? — eu pergunto, franzindo a testa ao lembrar que ele não é do meu mundo pra saber disso.

— Lúcia estava me ensinando algumas coisas pra poder te elogiar de uma forma que você entenda. — Caspian responde e dá de ombros, dando um sorriso que acho muito fofo. — Ela disse que ficava confusa quando começaram a cortejá-la e usavam elogios daqui, então achou que era uma boa ideia me ensinar algumas coisas.

— A ruivinha sempre salvando sua pele. — eu estreito os olhos, sorrindo, e ele dá risada, dando de ombros, meio culpado.

Antes que continuemos a flertar, Ripchip grita animadamente:

— Olhem! Olhem!

E, quando olhamos, vemos no horizonte algo branco no mar e nuvens no horizonte, impedindo de ver qualquer outra coisa. Olho confusa, não entendendo nada, e me viro para Caspian.

— O País de Aslam. — ele responde minha pergunta silenciosa. — Devemos estar perto.

Trocamos um olhar, ambos sabendo o que significa se formos agora: minha volta para meu mundo. Apesar disso, concordamos em ir assim que Edmundo sugere que sigamos, pois parece errado adiar por um motivo egoísta.

Embarcamos nos botes e seguimos caminho, chegando até o "algo branco no mar" que vi antes: lírios brancos flutuando lindamente. Observo as flores como uma criança andando de metrô pela primeira vez, apenas ouvindo a conversa dos outros:

— E como é que foi quando Aslam transformou você? — Edmundo pergunta, curioso, e seguro o impulso de chutar a perna dele. Esse garoto não tem um pingo de sutileza no corpo, não é possível!

— Por mais que eu tentasse, não estava conseguindo sozinho, daí ele se aproximou de mim. Doeu um pouco, mas foi uma dor boa, como quando você tira um espinho do pé. — Eustáquio responde, em uma suavidade que me faz sorrir e lembrar da idade que ele tem realmente. É bonita a mudança que Aslam fez com ele. E não me refiro à sua volta como humano. — Ser dragão não foi nada mal. Eu acho... que eu fui um dragão melhor que um menino mesmo. Desculpe ter sido tão chato.

— Tudo bem, Eustáquio, você foi um dragão bem legal. — Edmundo responde, sorrindo.

— É, fique tranquilo, as pessoas mudam constantemente pra melhor. Ficamos felizes que tenha acontecido com você. — eu sorrio para o garoto, apertando seu braço de forma amigável, que retribui o sorriso, meio sem jeito.

Ficamos em silêncio durante algum tempo, comigo ainda observando as flores, e sinto uma mão na minha e vejo Jonathan observando o mesmo que eu.

— Eram as favoritas da mamãe. — ele comenta e sorrimos, observando os lírios e lembrando de nossa mãe.

— Ela ia amar Nárnia. — eu suspiro, saudosa.

— Ela ia surtar muito. — Jon brinca e sorri, fazendo-me rir baixinho, então, ele muda de assunto: — Você vai voltar, não é?

Aceno que sim, sentindo o bolo na garganta, e ele imita meu gesto, com um sorriso triste.

— Sabia que faria isso, mas tive esperanças de que não fosse tão altruísta dessa vez e mudasse de ideia. — ele comenta e suspiro, dando de ombros.

— É o meu jeito. — eu respondo e Jon nada diz, pois sabe que não adiantaria, então apenas aperta minha mão e fita o mar comigo.

Consigo imaginar minha mãe vindo pra cá e conhecendo tudo, todos nós juntos aqui. Ela iria amar Nárnia e com certeza faria amizade com Patnes para contar as estripulias que eu fazia quando era pequena. Patnes... uma pena que ele tenha permanecido em Nárnia e não tenha vindo junto, teria amado vê-lo novamente.

Minha mãe era uma mulher tão cheia de luz e sabedoria e tão, tão, tão forte. Em Nárnia, recebi o título de "a resiliente", mas apenas porque não conheceram ela. Dona Karen passou por poucas e boas apenas para deixar nossa família unida e não mandar os garotos para a academia de cadetes, como foi oferecido pelo exército quando meu pai morreu. Lembro-me do quão indignada ela ficou após mandá-los embora de maneira educada: Eu perco meu marido e agora querem que me livre dos meus filhos! Ora essa! É cada coisa que preciso escutar nessa vida!

Sorrio e quase consigo ouvir sua voz novamente, mas é distante. Acabei perdendo a memória disso depois de tanto tempo e espero que, assim que reencontrá-la, possa nunca mais precisar me esforçar para lembrar.

— Meus amigos, nós chegamos. — Ripchip anuncia, orgulhoso.

Levanto o olhar e perco o fôlego, vendo a praia da minha visão. A areia clara e a onda que vem em nossa direção, mas nunca se mexe, como um muro feito de mar.

Assim que ancoramos o bote, os outros descem o mais rápido que conseguem, ansiosos por saber o que está por vir, enquanto eu e Caspian ficamos pra trás, tristes pelo que sabemos que virá. Seguro sua mão firmemente e saio do barco, olhando-o nos olhos. Aperto sua mão e, juntos, andamos até os outros.

Enxugo as lágrimas que nascem e olho de lado para meu namorado, que me olha também com tristeza nos olhos. Sabemos o que está por vir e, embora nunca realmente fiquemos prontos para nossa despedida, sempre nos enchemos de esperança sobre nosso reencontro assim que soltamos nossas mãos.

°°°°°

Espero que tenham gostado.

Desculpem a demora, mas vocês já sabem como sou com retas finais, enrolo até não poder mais. Em compensação, o próximo capítulo vai ser bem grandinho, pois várias coisinhas vão acontecer.

Até a próxima.

07/02/2021.

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