CAMILA

254 32 4
                                    

Arrependimento.

Odeio me arrepender das coisas que faço, acho mais válido me arrepender daquilo que deixei de fazer. Isso soa estranho? Quer dizer, a maioria das pessoas pensam ao contrário e me acham louca por pensar assim.

A questão é que meu vizinho é meu melhor amigo e, também, meu namorado. O que há de errado nisso Nada! Quer dizer, geralmete é ótimo mas, pedir desculpa por algo imaturo que fiz noite passada deveria ser a coisa mais fácil a se fazer.

Deveria, mas não é. Se sou uma pessoa orgulhosa? Não sei se essa seria a palavra correta para me atribuir como característica, quer dizer, talvez seja. Mas não é sempre assim.

Só que ele também não está livre da culpa, foi muito chato ele querer comparar meu pai e o relacionamento dos dois aos que ele já teve no passado. Tudo bem que ele, assim como eu, nunca tinha namorado antes. Só que, quando eu estou com sono, ou fome, não consigo pensar e hajo com total impulsividade.

Bati na porta da casa ao lado. Apesar de estar ansiosa para vê-lo, tinha esperança de não ser atendida naquele momento mas, tia Karen, minha sogra, ama acordar cedo e, jamais, repito, jamais perde a oportunidade de atender a porta.

– Oi querida, como foi a festa? - abraçou-me e me deu passagem para adentrar a casa.

– Oi, tia. Foi ótima, mas acho que fiz besteira. Shawn está?

Ela mordeu o lábio e assentiu, pude ver em seus olhos o que, para mim, parecia ser um misto de tristeza e ansiedade. Não sei ao certo, mas imagino que ela ache que eu e seu filho possamos terminar hoje, em poucos minutos e, o pior, sob o teto dela.

Isso não seria possível, seria?

Não sei, nunca estive em um relacionamento antes, e se Shawn estiver chateado demais para conseguir me desculpar, e se ele achar que sempre iremos brigar, discutir ou seja lá o que aconteceu ontem à noite entre nós, e se ele simplesmente achar que eu sou imatura de mais por tê-lo ignorado pela minha imensa infantilidade? E se... E se... E se?

Olhei para minha sogra e ela sorriu para mim. Um sorriso tranquilizador e eu diria que até maternal. Meu coração, antes acelerado, agora estava... bem, agora estava um pouco menos acelerado.

Subi a escada, primeiro degrau e os "e se" voltaram, quarto degrau e a vontade de não terminar a minha subida apareceu, sétimo degrau e foi inevitável não olhar para trás e voltar um degrau.

Karen estava lá, me olhando fixamente como um guarda de supermercado que procura garantir que todos os clientes paguem pelos seus produtos. O que me resta? Subir os últimos degraus da escada que me levaria até o quarto do meu, ainda, namorado.

Bati na porta e simplesmente entrei. Ele estava sentado na cama, com os olhos fechados e o cabelo levemente amassado, a visão exata de alguém que, literalmente, acabou de acordar.

Ele sorriu, e seu sorriso me tranquilizou. Seu rosto virou em minha direção e sua mão se estendeu como um pedido mudo para que eu me aproximasse. Obedeci.

– Me perdoa? Eu sinto muito pela minha falta de maturidade. - sua testa franziu e seu semblante realmente ficou confuso.

– Do que, exatamente, você está falando? - sua voz estava rouca e totalmente gostosa de ser ouvida.

– Eu fiquei chateada, ontem à noite, e simplesmente te tratei mal. Te ignorei e não falei mais que um curto e grosso "tchau" para você e, bem... Isso está me incomodando muito agora que eu estou com a cabeça no lugar.

– Você estava com sono, e eu fui muito chato fazendo aquela piada sem graça. Além do mais, você passou o caminho todo babando no meu ombro. O motorista do Uber até me ofereceu um lenço de papel. - gargalhou. Se ele pudesse ver, e eu tenho fé que um dia poderei fazê-lo ver novamente, riria mais ainda já que me pareço com um pimentão vermelho nesse momento.

– Minha mãe disse que um casal não briga por motivos que valem à pena...

– Mila, amor. Nós não brigamos. Eu fiz um brincadeira em um momento de mau humor seu e isso resultou em um leve vácuo por, não sei ao certo, cinco ou oito minutos, talvez? O resto do tempo, você, mesmo que estivesse brava, deitou no meu ombro e, bom, foi isso que me fez deitar aqui - bateu no colchão. – E conseguir dormir. Você acha, que se eu achasse que estávamos brigados, por um motivo tão bobo como esse, eu a deixaria ir sem saber que estaríamos bem no outro dia?

Meu silêncio foi a resposta, não que eu não concordasse com ele. Muito pelo contrário, eu concordava plenamente mas, simplesmente, não conseguia verbalizar nada.

– Eu não posso ficar sem você por uma bobeira, além do mais. Quem briga, passa a odiar o parceiro e adormece agarrado a ele? Posso não saber de muitas coisas nessa vida, mas sei interpretar sinais, principalmente se eles forem positivos.

– Eu sonhei. Sonhei que tínhamos terminado.

– Nós não vamos! - ele tinha plena certeza disso. Tanto que sua voz rouca ficou, repentinamente, firme e desperta.

– No sonho você me dizia que eu era a culpada. Você disse que eu, simplesmente, não fazia nada para que déssemos certo, nada para que pudéssemos entrar em um acordou e que eu era mais que imatura, eu era um bebê mimado pela mãe que não sabia fazer mais nada a não ser birra para conseguir o que quer. - uma lágrima rolou pela minha bochecha esquerda. Eu nem havia percebido antes que estava com os olhos cheios de água.

Com uma calma quase irracional, Shawn sorriu e acariciou minha bochecha molhada limpando a lágrima que havia escorrido ali minutos atrás. A sensibilidade que ele tem é tão incrível que, às vezes, eu acho que ele mente para mim sobre sua falta de visão. Como é possível que ele saiba sobre uma lágrima silenciosa como aquela?

– Você não pode ficar assim por uma briga que na verdade nem existiu, meu amor. Nós dois não brigamos, nem se quer discutimos. Eu sei, na verdade eu soube, que havia algo de errado mas, não houve briga. E o mais importante é que: eu nunca vou te deixar. Mesmo que você queira me abandonar um dia. Eu sempre estarei com você! Vou ser sua sombra, uma pedra no seu sapato, um carrapato ou seja lá como você queira me chamar... Mas seremos eu e você. Até enquanto eu durar.

Minha mãe me disse uma vez, depois que eu fiquei horrorizada em meio a uma briga mais que infantil entre meus tios em um natal em família qualuqer, que enquanto o casal briga por motivos bestas, como o pai de uma ex namorada que nem se quer existe, a união está estável e fortalecida.

Naquela época eu não consegui entender o que mama queria realmente me dizer mas, hoje. Agora. Eu sei que, o fato de eu e Shawn termos feito as pazes sem, nem se quer, termos realmente brigado prova que somos um casal. Que nos respeitamos e amamos ao ponto de entender a infantilidade um do outro.

Deitei em seu peito e ele passou a acariciar meu couro cabeludo.

– Pode me perguntar o que está te incomodando. ‐ eu realmente acho que ele não é cego, não pode ser possível. Como ele sabia?

– A sua testa. - levantei a cabeça e olhei para ele. – Quando você está incomodada franse a testa e respira bem findo. Eu já disse que te conheço perfeitamente, Camz.

De fato, uma ruga estava formada em minha testa e eu, nem se quer, a havia notado ali antes.

– Não existiram outros sogros, não é?!

Ele riu, eu me senti meio abobada.

– Não. Nunca houve outro sogro e jamais haverá! Eu e seu Alejandro para sempre. Bem... Até a morte nos separe. - sorri e bati em seu antebraço.

– Não antecipe a morte do meu pai!

– Eu nunca disse que ele seria o primeiro a morrer.

Paixão às Cegas.Onde histórias criam vida. Descubra agora