O chão parecia sumir ante seus passos rápidos. Infelizmente não o bastante, pois a cada metro as garras de seus algozes pareciam mais próximas.
– Merda! Isso tinha que acontecer logo comigo, que odeio cães! – praguejou ela.
Tinha um nome, embora não usasse mais já há algum tempo. Na verdade mal lembrava qual era. "Gata" era como a chamavam, seja "gata borralheira", como apelidou sua tia, quando ainda estava viva; "gatinha" como a definia seu gigolô; ou "felina", como batizou seu mestre. Tudo isso devido à sua fama de sortuda. Tantas vidas quanto um gato.
– Sortuda o caralho! – resmungou, tentando lembrar quantas vidas ainda lhe restavam.
Sobrevivera à morte de maneira quase inacreditável quando o carro dos pais havia sido jogado fora da estrada por um idiota que estava na contramão. Tinha oito anos na época.
– Garotinha de sorte. – disseram os policiais ao entregá-la para sua tia.
– Que sorte realmente!? – pensou amarga. – perder os pais ainda uma criança. O pior foi que aquela sorte maldita parecia persegui-la.
Cinco anos mais tarde, teve de sobreviver à morte da tia. Ficou dentro daquele armário por quase uma noite quando ladrões entraram na casa delas; ouviu-os estuprarem e depois matarem sua tia. Acabara de fazer treze anos na época. Fugiu chorando quando viu as luzes vermelhas e azuis parando em frente à casa. Não agüentaria alguém dizendo que tinha tido sorte novamente quando a levassem a um orfanato.
Por quase três anos morou na rua depois disso, sobrevivendo de pequenos furtos e do que encontrava no lixo.
Quase morreu quanto não conseguiu abrigo no inverno. Desmaiou uma noite devido ao frio. – Você teve sorte. – ouviu de um dos enfermeiros, emburrada.
Mais tarde, de volta às ruas, foi pega e levada para uma prisão de menores. Perdeu naquele buraco quase dois anos, apanhando das garotas e sendo molestada pelos guardas todos os dias até que, no que os jornais chamaram de um "golpe de sorte", escapou com um grupo de detentas. – Golpe de sorte! – lembrou ter pensado na época. – Realmente é a história de minha vida!
Em liberdade novamente, ela encontrou o caminho das drogas. Uma escorregadela na cocaína e ali estava, tremendo no chão molhado de um beco sombrio, sem testemunhas além dos ratos e baratas ao redor. Mesmo assim alguém chamou a polícia e de novo foi parar no hospital.
– Foi sorte terem te trazido aqui a tempo! – comentou um dos médicos com um sorriso que fez seu estômago revirar. Em todo lugar parecia haver um idiota comentando sobre sua malfadada sorte, como se a morte se recusasse a abraçá-la.
Foi mais ou menos nessa época que encontrou Carlos. Ele recolheu-a das ruas, lhe deu um local para morar e um trabalho.
– Sorte, diria você... – comentou ofegante. – Mas pode ter certeza que virar uma prostituta e conseguir um cafetão não é muito diferente de qualquer concepção de inferno.
E haviam sido quatro anos apanhando todas as noites, agüentando ter de fazer de tudo para a pior espécie de seres humanos. Quatro anos até que seu joelho voasse no saco do maldito cliente e suas unhas compridas na cara de Carlos.
Até que veio a noite da emboscada. Imaginou que encontraria o gentil abraço da morte nas mãos daquele vampiro, mas novamente acordou, agora como um ser da noite.
– Não que eu esteja reclamando! – falou como que para alguém acima dela.
Atacara os dois homens que haviam destruído seu mestre achando que eram simples humanos. Sua sorte, entretanto, fez-se notar outra vez quando os corpos dos dois caipiras cresceram, cobrindo-se de pêlos, e seus rostos se prolongaram em longos focinhos lupinos.
E para piorar, pois sua sorte era lendária, a manhã não se demoraria em chegar.
– Eu devia é ter matado os idiotas que passaram a vida dizendo que eu tenho sorte! – resmungou. – Pelos menos vou descobrir se gatos têm mesmo nove vidas... ou seriam sete? – perguntou-se atacando os peludos a sua frente.
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Nove ou Sete?
VampireQuantas vidas tem um gato, nove ou sete? Foi em cima desta brincadeira que eu desenvolvi este conto de vampiros, agora publicado no Wattpad, mas originalmente criado para o Necrozine. Porque a imortalidade, considerada por muitos como uma sorte pode...