Capítulo 4

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Desceram a escada juntos e atravessaram o hall o mais rápido possível sem que ela tropeçasse usando aqueles saltos que mais pareciam varetas. Sentia vontade de jogá-la sobre os ombros e carregá-la como um homem das cavernas, mas conseguiu conter aquele impulso primitivo. Ou quase.
Assim que chegaram lá fora, Cole olhou para ela, tentando controlar a raiva que crescia em suas veias.
- Onde está seu carro? - disse abruptamente.
- Não vim de carro - ela gaguejou. - Vim de táxi.
Meu Deus, isso era pior. Então não esperava voltar para casa sozinha naquela noite? Será que tinha planejado dormir na casa de algum cara? Era a primeira vez? Talvez fosse uma cliente habitual, talvez já tenha até ficado com Dylan! Fazia um tempo que Cole não aparecia por lá e então estava meio por fora sobre o que acontecia no clube.
Ele a levou até seu carro e abriu a porta, fazendo com que entrasse.
- Cole?
Essa única palavra, dita com medo e incerteza, cortou seu coração. Que droga, a última coisa que queria era que ela tivesse medo dele. Precisava se acalmar antes que perdesse a cabeça e destruísse suas chances com ela.
- Vou levar você para casa - disse, com uma voz mais gentil.
Ele se sentou, ligou o carro e saiu com pressa, fechando a porta já no caminho. Dirigiu pela tortuosa rua que levava até a entrada do The House e esperou com impaciência o portão se abrir.
Acelerando pela estrada, sentiu que Lili estava nervosa e o olhava. Viu também quando mordiscou seu lábio inferior, obviamente aflita, elaborando o que queria dizer.
Cole segurou a mão dela, na tentativa de tranquilizá-la.
- Conversamos em casa - sua voz comandava, coisa que nunca fizera antes com Lili.
Mas funcionou. Na mesma hora, ela desistiu de falar, embora continuasse a morder seu lábio, nervosa. Parecia mortificada, e saber que ela estava sofrendo e envergonhada fazia Cole sofrer também. Provavelmente Lili temia que ele desse uma bronca nela. E talvez ele fizesse exatamente isso, pois ainda não tinha a menor ideia do que iria dizer para ela.
Dirigiram o resto do caminho em silêncio, tensos, com as mãos firmemente enlaçadas. Ele podia senti-la tremendo. Saber que ela estava com medo dele cortava seu coração. Mas isso acabaria quando conversassem sobre tudo isso.
Lili se surpreendeu quando entraram no bairro dele, a poucos quilômetros de onde ela morava. Virou-se com uma pergunta no olhar.
- Vamos conversar aqui - disse Cole rapidamente, enquanto estacionava na garagem dele.
Lili novamente se calou, a cabeça caída, olhando para o colo. Sentindo-se derrotado com a atitude dela, Cole se aproximou e segurou seu queixo até que ela olhasse para ele.
- Vai ficar tudo bem, querida. Agora, vamos entrar e conversar.
Lili concordou. Cole desceu do carro e foi abrir a porta para ela. Levou-a para dentro de casa, satisfeito: ela estava em seu território. Finalmente.
Embora tivessem passado bastante tempo juntos nos últimos anos, o lugar sempre fora neutro. Ou então se viam na casa dela e de Brett. A última vez que Lili tinha aparecido na casa dele, Brett ainda estava vivo: costumavam fazer isso com frequência.
Abraçando Lili pela cintura, Cole a levou até a sala de estar. Ela enrijeceu o corpo, mas não tentou se distanciar. Parecia que esperava a qualquer momento que o céu caísse em sua cabeça.
Quando entraram na sala, ele a soltou e se afastou, passando a mão na cabeça. Depois se virou, sem saber ao certo como fazer as perguntas que o estavam enfurecendo. Dane-se! Só conhecia um jeito: agir de forma direta.
- Que diabos você foi fazer no The House hoje, Lili? - perguntou.
Diante da fúria no tom de voz dele, Lili vacilou e seus olhos se encheram de tristeza.
- Você não faz ideia no que está se metendo - ele continuou. - Nem a mínima ideia! Sabe o que poderia ter acontecido com você? O que Dylan teria feito? Deixe-me contar. Ele teria obrigado você a se curvar e chicotearia sua bunda. Depois transaria com você sem dó e sem se importar com seu prazer. Seria tudo para o prazer dele. Ele teria transado e usado você e não se importaria nem um pouco com sua satisfação. Que diabos você tem na cabeça?
Ela umedeceu os lábios, seus olhos se enchendo de lágrimas. Que inferno! A última coisa que ele queria era fazer com que ela chorasse, ainda mais que tinha conseguido não derrubar uma única lágrima o dia todo, pelo menos enquanto estivera com ele.
- Eu entendo, sim, Cole- disse baixinho. - Entendo mais do que você pensa.
Ele ficou confuso.
- Você já tinha ido outras vezes no The House?
Lili sacudiu a cabeça.
- Não, fui lá pela primeira vez hoje.
- Deus do céu, você está louca? Consegue imaginar o que poderia ter acontecido com você se eu não estivesse lá? Não vou deixar de jeito nenhum que volte para aquele lugar. Não é para você.
Os lábios dela estremeceram e Lili parecia em dúvida. Suas feições se endureceram e resolveu encará-lo.
- Sei exatamente o que estava fazendo. É você que não entende e nunca vai entender.
- Tente explicar - desafiou.
Lili o encarou um tempão, o semblante em dúvida, como se precisasse decidir se confiava ou não nele. Cole estava nervoso, porque afinal - que droga! - ele queria que ela se abrisse.
Contasse tudo mesmo. Queria a confiança dela.
Ela sentou na beirada do sofá, fechou os olhos e escondeu o rosto nas mãos. Estava chorando e ele precisou conter a vontade de confortar, abraçar e dizer que tudo ficaria bem. E conseguiu, porque sentia que o que ela iria dizer era importante e mudaria para sempre como ele a via e qualquer possibilidade de ficarem juntos.
Finalmente, ela levantou o rosto banhado em lágrimas.
- Amei Brett com todo meu coração e minha alma. Ele era minha alma gêmea, tenho certeza. E sei que nunca mais vou encontrar este tipo de amor novamente.
Cole quase parou de respirar, porque não era exatamente isso que ele queria ouvir: que ela estava resignada a levar uma vida sem amor por não acreditar que outro homem pudesse amá-la como Brett. Na verdade, Cole podia. E já a amava - sempre tinha amado. Se tivesse uma oportunidade, mostraria que ela podia, sim, encontrar alguém.
- Brett me deu tudo o que sempre quis ou pedi, exceto...
Lili se calou, cabisbaixa, os ombros caídos, como se estivesse derrotada.
- Exceto o quê? - Cole perguntou com doçura, confuso pela declaração dela. Ele sabia muito bem que Brett daria e teria feito qualquer coisa que estivesse ao alcance dele.
- Dominação - Lili respondeu baixinho.
Cole sentiu um arrepio na nuca e, correndo em suas veias, uma onda de... esperança? Seu pulso estava acelerado. Teve de se acalmar e se certificar de que tinha ouvido corretamente, porque havia muita coisa que ele não tinha entendido.
- Dominação?
Ela confirmou. Depois se virou para ele com uma profunda tristeza nos lindos olhos.
- Você sabe como foi a infância dele e de Kylie, o que eles passaram, todo o abuso que sofreram. No início do nosso namoro, falamos sobre minha... necessidade. O que eu achava que precisava e queria. Mas ele não conseguia - não podia - fazer nada que remotamente parecesse violento. O tempo todo ficava preocupado, com medo de ter herdado a natureza agressiva do pai, questionando se isso era ou não genético, e preferia morrer a me machucar.
Como se ele pudesse! Foi por isso que não tinha certeza se deveria ter filhos. Ele queria, meu Deus, e como! Eu também! Meu maior arrependimento é não ter tido um filho dele, uma parte dele que continuaria agora que ele se foi. Mas ele tinha tanto medo de que também pudesse abusar dos próprios filhos!
As últimas palavras saíram misturadas com soluços e Cole não conseguia mais ficar distante. Ele atravessou a sala, sentou-se ao lado dela e a abraçou. Lili se aninhou no peito dele, enquanto ele acariciava seus cabelos.
- Brett nunca machucaria você ou os filhos de vocês - Cole disse em tom de muita certeza.
Lili se afastou, com os olhos marejados, fixos em Cole.
- Sei disso. Você também. Mas ele não sabia. E não consegui convencê-lo do contrário. O pai acabou com ele e com a Kylie também. Eles nunca se recuperaram do que ele fez e isso afetou a vida adulta dos dois. Ainda mexe com Kylie. Quando eu contei o que estava pensando em fazer, ela surtou!
- Também gostaria de saber o que você planejava fazer - Cole disse com delicadeza. - O que foi isso, afinal?
Lili se afastou, cerrando as mãos.
- Sei que você pensa que eu não faço ideia de onde estava me metendo, mas não sou boba.
Ir ao The House não foi um capricho do momento: pensei e pesquisei sobre isso durante vários meses. Conversei muito com Damon Roche. Ele queria ter certeza de que eu sabia de tudo e que não era uma decisão apressada e emocional.
Bom, graças a Deus, Damon era mesmo um cara íntegro. Era verdade que ele gerenciava um estabelecimento que permitia todo tipo de fetiche e fantasia sexual, mas era um negócio que levava a sério. Os participantes eram selecionados com muito cuidado.

- É como eu te disse hoje: Brett se foi e não voltará mais. Eu tenho que me refazer e seguir em frente. Não posso ficar de luto o resto da minha vida. Eu preciso... Eu quero... - Lilihesitou.
Cole esperou que ela organizasse os pensamentos, porque isso era sério. Estava conhecendo um lado de Lili que nem suspeitava que existisse. Como podia imaginar?
- Preciso saber se o que eu acho que preciso e quero é verdade. Tenho essa necessidade dentro de mim, Cole. É uma dor, um vazio na minha alma que ficou maior depois que Brett morreu. Eu o amava demais para pedir ou exigir algo que ele seria incapaz de me dar. Parece que eu estava infeliz, mas Deus, não estava! Eu o amava com todo meu coração e não me arrependo de nada.
- Eu sei, querida, eu sei - Cole murmurou.
- Mas esta necessidade sempre esteve dentro de mim. Não consigo explicar nem para mim mesma, então como posso fazer você entender que isso não é uma brincadeira? Não é que de repente fiquei irracional e estou tentando preencher o vazio que Brett deixou. Sempre tive este vazio. Sempre.
- Tente explicar - Cole simplificou. - Diga o que você quer, o que você precisa. Vou ouvir e não vou julgar. Vamos só conversar.
Seus olhos brilharam de alívio. Será que ela esperava ser condenada, ou acusada de traição à memória de Brett?
- Quero ser... possuída. - O corpo de Lili tremeu e, estando tão perto, Cole pôde sentir. - Quero o que Tate e Chessy têm. Quero que um homem me possua, quero pertencer a ele de verdade. Quero ser submissa e que ele tome conta de mim. Me proteja. Meu Deus, até parece que sou uma idiota inútil e dependente. Mas não é isso. Brett me ensinou a ser dona de mim mesma, ser independente. Não preciso disso para sobreviver. É o que quero. É uma escolha minha.
Cole colocou um dedo nos lábios dela.
- Shhh... Querida, você não precisa defender suas escolhas para mim. Estou aqui para ouvir.
Não fique na defensiva, só me conte o que se passa nessa sua cabecinha.
Seu coração estava quase batendo fora do peito. Será que o destino tinha decidido ser gentil com ele no final das contas? Será que o presente que ele nunca sonhara em receber tinha acabado de cair no colo dele? Será que Brett sabia? Claro que sim, ele sabia quais eram as preferências sexuais de Cole: que ele era dominador e queria a submissão de uma mulher.
Agora a promessa que Brett arrancara dele fazia sentido. Brett sabia que Lili queria algo que ele nunca poderia dar e que, se algo acontecesse com ele um dia, queria que Cole entrasse em cena e oferecesse a Lili o que ele não podia dar. Meu Deus, a abnegação desse gesto era de deixar qualquer um perplexo. Era como se estivesse abençoando os dois. Deus do céu!
- Não foi uma decisão leviana, Cole. Estava em paz até o momento que o vi. Fiquei mortificada e me senti culpada, traindo. Não queria que você soubesse. Para Chessy e Kylie, eu contei. Estavam preocupadas, mas elas sabem que tomei todas as precauções antes de aparecer no The House esta noite. Eu estava pronta, ou pelo menos achei que estava. Mas aí vi você!
Lili enrugou a testa, como se só naquele momento tivesse percebido que Cole estava lá também. Ele já sabia o que ela iria perguntar, antes mesmo de ouvir.
- O que você estava fazendo lá, Cole?
Por um momento, tentou esquecer a pergunta, porque havia tantas outras coisas mais importantes para eles conversarem. Era como conseguia se segurar, porque sua vontade era de colocar sua marca nela, tomá-la em seus braços e dar a ela tudo o que queria e precisava.
- Primeiro preciso perguntar uma coisa, Lili. Você tem certeza? Preciso saber se é isso o que realmente quer e não é somente uma experiência, uma tentativa de preencher o vazio.
- Não dá para ser mais decidida do que isso - respondeu, e o tom firme o convenceu.
Cole se aproximou, sua respiração se misturando com a dela, seus lábios tão perto que dava para sentir seu calor. Mais alguns milímetros e ele a beijaria.
- Estava lá porque isso é quem sou e o que sou, Lili- disse, estudando sua reação, observando qualquer emoção que passasse por seus olhos. - Sempre fui assim. E mais uma coisa: se é isso que você quer, se é isso que você precisa, então serei o único homem a quem você vai oferecer sua submissão.

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