Ele sabia que não era preciso ser um gênio; bastava não ser burro. As coisas são tão claras que apenas os idiotas não conseguem perceber. Bastava ligar os pontos e somar dois mais dois. Ser racional; dizem alguns que é isso que diferencia os homens dos outros animais. Ele discordava. Já vira macacos mais espertos do que muita gente.
Ligar os pontos e somar dois mais dois. Simples assim. Era o que costumava fazer. Foi o que ele fez.
A sala onde estava era grande; havia um quadro enorme pendurado na parede; uma pintura disforme, bem feia. Gente que tem muito dinheiro costuma ter um péssimo gosto.
Esperou por uns dez minutos até que o contratante adentrou no escritório e o cumprimentou: "Muito bem, como está?"; rindo amistosamente, querendo ser simpático. O matador jamais conhecera alguém que conseguiu convencer os outros com esse tipo de sorriso falso.
"Está perguntando como estou?".
"Sim, ora. Qual o problema?".
"Não me chamou aqui pra saber se estou bem, senhor. Me chamou aqui por outro motivo".
"Sim, é verdade. Por falar nisso, fez um bom serviço".
"Fiz o que disse que faria, e para o qual está me pagando".
"Sim. Aquele velho estava me dando problema. Bem que me disseram que você era o melhor".
"Disseram?".
"Sim".
"Não sou o melhor".
"Não seja modesto, eu...".
"Definitivamente a modéstia não é uma característica da minha personalidade, senhor; eu apenas ligo os pontos".
"Liga os pontos?". O homem riu, um tanto abobalhado, achando graça do que ouvira.
"Sim, ligo os pontos e sigo a lógica que se mostra. E tudo se mostra de uma maneira tão simples quanto óbvia. Nesse exato momento mesmo, eu poderia estar pensando em muitas coisas inúteis, ou admirando coisas estúpidas como esse quadro na parede, mas prefiro me atentar aos fatos; sobretudo ao fato mais relevante neste ambiente".
"Fato relevante? Do que está falando?", ele tirou o sorriso falso da cara; ficou sério. Como sempre, o matador se manteve frio, calmo, incólume. E não há nada que cause mais medo, que seja mais intimidador e perigoso do que a impassividade de alguém diante de qualquer situação. O matador não alterava seu temperamento por nada. Não aumentava o tom de voz nem fazia movimentos bruscos; não era preciso. E isso assustava os outros.
"Bem, atravessei toda a casa até chegar nesse escritório, e reparei que, em toda a casa, este é o único cômodo sem tapete ou carpete".
"E daí?".
O matador achou quase graça na desfaçatez do homem.
"Somado ao fato dessa casa ser afastada da cidade, e de eu ter sido revistado assim que cheguei, o óbvio mais uma vez se mostra", disse o matador, encarando o homem.
"Do que diabos você está falando?".
"Este escritório já teve um tapete, mas teve que ser queimado por causa das manchas de sangue do primeiro que foi morto aqui e que não saíam. De lá pra cá, você achou melhor deixar sem tapete, já que o homem executado aqui não seria o único, foi apenas o primeiro".
"Eu não...".
"O sangue... o sangue fica impregnado em tudo, sabe? Aqui tem um cheiro forte de água sanitária, desinfetante, até de thinner. Foi feito de tudo para limpar a sujeira, mas não adiantou; dá para ver de longe. Há manchas, pingos, esguichos; o sangue está em toda parte. Esse escritório é onde você executa quem considera inútil, descartável ou que possa representar algum risco, como eu".
O homem ficou surpreso, e assustado. Desde que entrara no escritório, permanecera o tempo todo próximo de sua mesa. Olhou para a primeira gaveta e viu que ela estava entreaberta.
"Você poderia já entrar armado; seria mais fácil. Mas já se habituou ao ritual, não é mesmo? Sempre entra dono de si, conversa tranquilamente, e enquanto isso, no seu íntimo, vai se regozijando de ter uma presa indefesa em suas mãos; se senta confortavelmente, abre a gaveta, pega a arma, e esse ato revela à vítima o que irá acontecer. Deve haver um prazer sádico nisso, não? Sim, é provável que haja; posso apostar até que você tem uma ereção ao sentir o cheiro do medo nos olhos de quem vai matar. Estou certo? Hum? Fica de pau duro nessas horas? Sim, deve ficar. Essa crueza toda é uma característica típica do traço humano".
O homem permaneceu em silêncio. O matador apontou a arma para sua testa e atirou; o homem caiu e o sangue escorreu pelo chão. O matador reparou no sangue, grosso, viscoso, quente, vermelho. Foi até a porta, deu duas batidas; havia um capanga do lado de fora, que abriu a porta tranquilamente, certamente ouviu o disparo dentro do escritório e achou que seu chefe fora o autor do disparo; arregalou os olhos quando viu a arma apontada para sua testa. O matador atirou. Faltavam só mais dois homens que protegiam a entrada da frente; não seria difícil cuidar deles, pois ele possuía a maior de todas as armas, o fator surpresa.
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Os Trapaceiros
AksiA história se passa em São Paulo, Brasil, na qual o personagem principal chamado apenas de O Matador é responsável por eliminar alguns alvos específicos. Ao mesmo tempo, seu mentor Alcides é contratado para se livrar de um funcionário de um grande b...