Passado

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Naquele Brasil e em outros tantos não valia o ditado, "O crime não compensa". Num país de leis complexas e cheias de brechas para burlar, os mais perigosos e prejudiciais bandidos raramente ficavam atrás das grades. E isso não mudou muito após a tempestade solar que enfraqueceu as rígidas barreiras que naturalmente protegem a interpenetração entre universos paralelos. A mudança veio na época em que o célebre super-herói estadunidense disse a frase que ficou para história: "Um pequeno passo para um homem, mas um salto gigantesco para a humanidade". Depois de sua aventura celeste, o astronauta foi um dos primeiros a manifestar os chamados super-poderes. Inclusive a atuação deste primeiro e mais famoso herói estadunidense, Strong Arm, foi decisiva para a vitória do país no conflito do Vietnã, poucos anos depois. Bem, mas não é sobre super-heróis estadunidenses que queremos falar, isto não passa de uma mera anotação histórica. Aliás, precisamos nos aprofundar nisto, pois há muito mais história a cobrir antes de narrarmos o confronto derradeiro travado pelo Homem-Café.

Nossa história é sobre um dos mais célebres super-heróis brasileiros, o Homem-Café. Há quem discorde do uso do termo super-herói e utilize no lugar super poderosos, pois eram raros aqueles com real senso ético e fibra moral e que mereciam ser chamados de super-heróis. Bem, eu diria que cabe a cada um eleger seus heróis.

Mas o Homem-Café era de fato muito querido e adorado pelo povo brasileiro. De origem humilde, tratava-se de um retirante nordestino e negro que viera para o sudeste em busca de oportunidades. Teve pais muito corretos e sua criação assegurou que, mesmo dotados de incríveis capacidades, não tivesse sucumbido à corrupção que era, de fato, uma doença endêmica no país. Uma pessoa simples, mas não estúpida, e que ainda assim, na onda do efeito Brasil, foi manipulado por vilões de uma natureza etérea e difícil de capturar, os homens da mídia, e também, pelo poder da publicidade. Afinal, um herói precisava ter seu sustento, desta maneira o Homem-Café, após alguns anos de atuação que começaram no combate ao crime comum e tráfico de drogas, acabou tendo um empresário e patrocinadores. Alguns países patrocinavam seus heróis, mas no Brasil eram as empresas de capital aberto e estatais que muitas vezes o faziam. Seu uniforme de listras rubro-negras (em homenagem a seu time do coração) tinha no peito e nas costas dizeres de seus dois principais patrocinadores. Além de patrocínio estampado no uniforme, a imagem do Homem-Café também estava em diversos produtos e propagandas na televisão, incluindo o famoso Café Homem-Café, que apesar do nome estranho, era um campeão de vendas. Havia uma caríssima edição especial produzida pelo próprio herói esmagando e torrando grãos nas palmas das mãos ao exercer pressão de incrível magnitude. E era assim com outros heróis, como Relampião, que era patrocinado por várias companhias energéticas e também tinha alguns produtos com seu nome e imagem, como pilhas, baterias e lâmpadas.

O Homem-Café teve uma grande carreira como herói. Começando ainda na era dourada dos heróis, em meados da década de setenta, ele lutou contra vários vilões e heróis corrompidos. Também muitas mulheres estiveram com ele, algumas heroínas e outras mulheres com nomes de fruta que não tinham super poderes, mas que possuíam proporções físicas exageradas e uma boa dose de rebolado. Aliás, as mulheres perseguiam o Homem-Café em busca de prazeres que somente um herói bem dotado com um fôlego incansável poderia proporcionar. Seus maiores feitos foram limpar os subúrbios de São Paulo e Rio de Janeiro da influência dominante de traficantes de droga. O Homem-Café havia perdido seu irmão mais velho para o tráfico e a luta contra as drogas foi sua primeira grande e bem sucedida cruzada. Não que fosse possível eliminar o tráfico, o fato é que ele tornou-se muito menos articulado e poderoso. Foi nesta época que tornou-se membro do grupo de super-heróis mineiros chamados de Os Novos Inconfidentes, pois muitos traficantes fugidos do Rio e de São Paulo foram instalar-se em Belo Horizonte. Os Novos Inconfidentes eram liderados pelo jovem Tiradentes que tinha o estranho poder criar mutação em ossos e que arrancava com seu poder os dentes de seus inimigos. Mas o Homem-Café só manteve parceria pelo tempo suficiente para eliminar os traficantes foragidos. Mais tarde, foi convidado pela Liga Internacional de Supers (LIS) e atuou numa luta contra os produtores de drogas em diversos países e ficou conhecido lá fora como Coffeeman. Porém, o Homem-Café sentia muita falta de sua terra natal, adorava futebol, samba alguns tira-gostos com cerveja que só havia nos botecos brasileiros. Acabou se tornando um membro honorário da LIS e foi convocado umas outras duas vezes para lutar contra uma invasão de alienígenas e em outra ocasião para deter a invasão de um exército maléfico trazido por um super vilão conhecido como Bruxo Negro.

De volta ao Brasil e com a fama nas alturas, o Homem-Café era frequentemente assediado por jovens heróis que queriam ser seu parceiro, ou aprendiz. Ele teve dois, mas desgostoso com o destino trágico que tiveram, decidiu nunca mais adotar parceiros. O seu primeiro parceiro, Café com Leite, era um mulato que tinha o poder de manipular a água. Mas como muitos outros heróis, deixou se levar pela corrupção e foi preso pelo próprio Homem Café. Depois ele adotou o rapaz riquinho, que mantinha identidade secreta, e, com sua mania de americanismo, adotou o codinome Coffee Break. Apesar de origens diversas, o Homem-Café tinha em Coffee Break um ótimo parceiro e trabalharam juntos durante anos. O ajudante, na verdade, não tinha super poderes, mas era inteligentíssimo e herdara a fortuna do pai, um empresário exemplar que foi morto por não aceitar envolver-se num esquema de corrupção. O rapaz descobriu tudo vasculhando arquivos de computador depois do assassinato do pai. Jurou descobrir quem estava por trás daquilo e passou alguns anos treinando artes marciais e desenvolvendo roupas e apetrechos tecnológicos para usar em sua cruzada contra a organização criminosa conhecida como Mão Branca. Foi Coffee Break que abriu a cabeça do Homem Café e o libertou da manipulação que sofria da mídia e de outros grupos de poder também manipulados pela Mão Branca. Os dois lutaram juntos por muitos anos e Coffee Break fora muito astuto em confiar apenas ao Homem Café os segredos que vinha juntando sobre a organização criminosa. O rapaz conseguiu enganar os poderosos e a mídia fazendo com que acreditassem que ele era apenas um sidekick sem importância.

Juntos lutaram contra diversos vilões como o perigoso Otaku-boy, que tinha o poder de trazer à vida e distorcer seres vindos da TV. Os dois heróis correram para acudir São Paulo que foi invadida por um exército de criaturas chamadas Toskemons. Foram dias de caos, pois caçar Toskemons não era nada fácil. Havia um deles, um rato amarelo de nove metros de altura que urrava Ké-Ketchup? E vomitava um líquido vermelho e venenoso que quase levou a termo a vida do Homem Café. Foi Coffee Break que lhe salvou a vida na ocasião. E o homem Café teve que recorrer a seus contatos na LIS para convocar heróis para salvar São Paulo do caos. Pois além de soltar centenas e centenas de Toskemons em São Paulo, um grande grupo deles foi controlado para destroçar o Carandiru Dois, unidade penitenciária criada para prender super-vilões. O ataque dos Toskemons foi fulminante e as centenas de super-vilões que escaparam deram trabalho à dupla por uns bons anos. Coffee Break sempre suspeitou que a ação de Otaku-boy tivesse sido por mando da Mão Branca, que para seguir com suas atividades, precisava da atenção dos heróis e da mídia voltada para catástrofes e luta entre vilões e heróis.

Diversas foram as tentativas de eliminar o Homem-Café, mas como derrotar alguém com a força para derrubar prédios e a pele tão mais dura que Adiamanteo, o metal alienígena cem vezes mais resistente que o aço? Mas depois de muitas tentativas frustradas a Mão Branca acabou compreendendo que o Homem-Café não poderia ser eliminado. Ele era um instrumento muito útil e que precisava ser manipulado.

Então, a dupla finalmente começou a voltar suas ações para combater a corrupção, e consequentemente, a Mão Branca. A princípio a organização não sentiu que havia tomado um golpe direto, mas quando alguns de seus principais membros, como o senador Narsei, começaram a sofrer pressão, o troco não demorou a vir. Café e Coffee Break foram capturados numa emboscada e jovem foi morto diante dos olhos do herói. Aquilo foi um duro golpe, pois já trabalhavam juntos há quase dez anos e o Homem-Café que já estava com seus quarenta e poucos anos, tinha em Coffee Break a figura de um filho que nunca pode ter, pois a mutação em seu corpo tornou suas sementes incompatíveis com dos demais seres humanos.

Sem a astúcia de Coffee Break, a luta contra a Mão Branca tornou-se ainda mais árdua, mas prosseguiu até que...

A Morte do Homem-CaféOnde histórias criam vida. Descubra agora