Capítulo 1- Castelo de areia

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- Pai! PAI!

A menininha berra, fazendo com que todos em um raio de 300 metros a escutem. Logo em seguida, um homem, que aparentava 40 anos surge correndo e se ajoelha, próximo à criança.

- O que foi, princesa?

Um choro fraco se inicia e, em meio as lágrimas, a resposta veio fraca e dolorosa.

- Entrou areia no meu olho.

Com extremo cuidado, o homem segura a face infantil e assopra os orbes verdes da criança.

Ao canto, Úrsula assistia a cena, sem demonstrar nenhuma emoção sequer. A garotinha chorosa era uma desconhecida, assim como o pai que a acalentava. Úrsula saíra de férias, torcendo para que fossem tranquilas e proveitosas. Escolheu um destino no litoral. Queria pegar um bronzeado, ler um livro a beira do mar e sentir o frescor das ondas em seu corpo. Havia completado 18 anos há um mês e, seu pai, o pastor Daniel, lhe dera 3 opções de viagem. Salvador foi a escolha. Devido ao emprego, o pai da moça não a acompanhou em sua viagem de aniversário atrasado, mas ela já estava acostumada. O homem não era lá um responsável muito presente e a razão para isso era que, a garota lembrava muito sua falecida esposa, Amélia. A mulher morrera quando Úrsula tinha apenas 8 anos, desde então, o homem doce e disposto mudou, tornando-se distante e um tanto amargurado.

O céu azul intenso e o vento tiravam Úrsula do transe, de observar a menininha e seu pai. Focou à frente, admirando o oceano e a areia branca. Seu passeio ainda duraria mais três dias, depois disso, retornaria para sua rotina, o que não a animava.

Em casa, no Distrito Federal, Daniel se preparava para mais um louvor. Vestia uma camisa social, fazendo par com a calça e os sapatos. Apesar de dedicar tempo e energia ao serviço, naquele dia a mente do homem pairava em uma outra problemática. Recebera uma carta no dia do aniversário de sua filha. Correspondência essa que o tirou dos trilhos.

''Caro Daniel,

Espero que se lembre do recado de Amélia, em relação a maioridade de Úrsula. Também torço para que perceba sua incapacidade de criar a menina para o futuro glorioso que lhe é reservado. Já tirou Amélia de nós, não pense em fazer o mesmo com sua descendente. Ela será grande, e você, é uma pedra no sapato... Só a alerte que a aguardamos no dia 20, às 19 horas, no Teatro Bela Vista, na divisa do estado. Ela estará sã e salva, você sabe. Não tema por sua filha, tema por você se mantiver segredo sobre o que a menina realmente é!

Cordialmente,

Irmandade do Jardim de Hecáte.''

O leve tom de ameaça presente não era o que lhe perturbava a cabeça, mas sim, o que seria de sua filha daquele momento em diante. Obviamente, não impediria a garota de ir ao tal encontro. Mas, assim que ela retornasse de viagem, no dia 18, ele lhe contaria tudo. Ou melhor, a versão dele sobre a história. Ainda cambaleando em suas ideias, iniciou o louvor. Era domingo, dia em que a Igreja Fidelidade de Deus exibia sua crença no período vespertino.

O resto do dia fora calmo, tanto para Úrsula, quanto para Daniel. A menina saíra da praia ao pôr do sol, já que o hotel em que estava hospedada era próximo. Tomou um banho gelado, para compensar o calor que estava na cidade. Colocou uma roupa leve e permaneceu no quarto, lendo e assistindo TV até adormecer. Seu pai, após deixar a igreja, passara no mercado, precisava abastecer a geladeira para o retorno da filha. Quando o relógio marcou 20 horas, o homem chega em casa.

Na manhã da segunda feira, Úrsula repetiu a rotina que adotou para a viagem. Acordou, tomou café, foi para a piscina do hotel e, quando deu meio-dia, saiu e foi para a praia, onde almoçaria e passaria a tarde. Daniel, depois do passo a passo matinal comum, foi para o seu segundo emprego. Era fotógrafo de eventos e, naquele dia, havia um casamento à noite. Se dirigiu para o local, a fim de fotografar a decoração, a pedido dos noivos. Fazendo com que o dia passasse rapidamente. Antes que pudesse pensar, já tinha de estar em casa de volta para tomar banho e ir para a cerimônia, que também passara depressa. A noite era fria, fazendo a bela noiva se arrepiar com a brisa leve e gélida que lhe tocava os ombros desnudos, pelo corte ''tomara que caia'' do vestido. A decoração em rosa bebê e prata, a mesa de acepipes, os convidados bem vestidos...tudo era registrado pela câmera de Daniel. Enquanto isso, em Salvador, Úrsula assistia um programa de investigação policial que passava na televisão. Comia um sanduíche e se entediava com o enredo furado do que via.

Os dias restantes passaram como um sopro. Apesar de querer se divertir, Úrsula sentia dificuldades de se enturmar. Não tinha amigos de infância, nem dos tempos de escola. Sempre fora quieta. Suas notas não eram altas, nem baixas. Não era grosseira, porém não se aproximava com facilidade das pessoas com quem convivia. Quando era menor, a professora que lhe dava aula sempre solicitava reuniões com Daniel, para falar sobre a falta de coleguinhas. Sugeriu que o homem a levasse em um psicólogo, o que nunca ocorrera. Resultando na adolescência reprimida e um tanto melancólica da jovem.

Dia 18 chega e a moça já estava no aeroporto, aguardando próxima ao portão de embarque. Seu voo seria dali a 40 minutos e, para se distrair, deixou um livro consigo. Um suspense, seu tipo de narrativa preferido.  

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⏰ Última atualização: Oct 21, 2020 ⏰

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