O preço da insignificância.

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'' O silêncio tapava meus ouvidos a cada respiração, a terrível claridade da neve soava como
escuridão, a temperatura tratava meus nervos como uma dose de Odol, e a terrível solidão
eliminava qualquer nível de importância da humanidade nessa complexa natureza autônoma e
sem fim.
- Deus, o que estou fazendo aqui? '' 


     Com o vento gelado que escapava para dentro do dormitório, entre as frestas das janelas
fechadas, minhas mãos permaneciam trêmulas, enquanto eu vestia meu coturno de couro, como todos os outros soldados sentados em suas beliches e no chão frio do nosso Airway alemão, cedido para a missão do exercito nazista, infelizmente, contra os vermelhos. Não era um pensamento agradável, pois não estávamos mais no domínio da guerra, e muito menos,
enfrentando outra Polônia como em 1939. Respirei fundo, enquanto abria meu colar de
identificação e contemplava o belo rosto de minha esposa, Safira Hartmann, e de meus pais,
infelizes pela minha ida ao exército do comandante Heinrich Himmler, pois eram muito apegados à religião judaica, e de fato, ainda carregavam em si um certo rancor, pelo genocídio que o ''grande'' Adolf Hitler e seu sistema político causou.  Fechei meu colar, quis prometer à mim mesmo que 1941 não seria meu ultimo ano de vida, mas palavras não saiam da minha boca muito menos da minha mente.
- Atenção, Cabo Harttman, ordem para a saída, mais 5 minutos de descanso!
    Gritava desgastada voz do jovem tenente Joseph, no qual se via em seus olhos, um certo pavor pelo o que viria nos próximos dias. O pelotão fixava sua visão em direção 'a mim, como uma forma de sinalizar um ''eu sinto muito'', ou um certo ''força companheiro''. Já se passara um minuto dos cinco de descanso disponíveis para mim, então tive tempo o suficiente para apreciar meu capacete de guerra, feito de couro, que cobriam minhas orelhas, o tornava os Fliegers alemães os famosos ''orelhas de golden retriever''. Ao subir as estreitas escadas de ferro do navio Airway, minha mente perdera o dom da imaginação, e meu momento de silêncio se resumia em arrependimento e um desejo esmagador de nunca mais retornar à um campo de guerra, mas principalmente, a gigantesca vontade de encontrar uma expressão sorridente naquele ambiente sombrio no qual eu estava, que mesmo que indiretamente, sinalizaria um resquício de esperança em meio ao que não se via um futuro útil, de que tudo ficaria bem novamente. Ao chegar no fim da escada, passei a mão vestida com luvas de couro sintético um pouco desgastado, na janelinha redonda ofuscada pelo gelo acumulado pelo vento frio, na portinha de ferro, e ao olhar aquele oceano que transparecia vida em seus movimentos, e ao mesmo tempo, um lugar sem expectativa de vida alguma, que me trazia uma impressão de que eu não sairia daquela imensidão nunca mais na nessa vida. Abri a porta, e passei a correr em direção ao meu Siebel FH 104, com meu rosto sofrendo o impacto de pequenas gotas de chuva junto com granizos, que provocavam o fechar dos meus olhos, a ponto de só enxergar o vulto do chão.
- Cabo Harttman, o Lobo sofreu pequenos impactos na hélice, e uns arranhões na parte frontal,
mas já recebeu devidas manutenções, ah! Seus passageiros já estão a postos, e seus armamentos nos devidos lugares, algo que queira acrescentar?
-Tenente, apenas uma dose de Jagermeister e um tratado de paz com a URSS, Alles klar?
    O tenente Schwars demonstrava um certo sorriso de humor e concordância com o famoso
ditado alemão, que significava "tudo certo?", e ao mesmo tempo, demonstrava um desespero
interior, onde seus olhos correspondiam o mesmo desejo, no qual eu lhe dissera.
   Batíamos continência alemã como despedida, em seguida, eu contemplava o desenho de lobo
que eu havia feito no meu Siebel FH 104, e não foi atoa que o nomeei de "Lobo", animal no qual
eu mais admirava e cedia encanto, pelo seu comportamento frio, calculista, selvagem, inteligente e impiedoso de ser. Mas talvez eu não teria a mínima noção do quanto aquilo poderia fazer diferença no meu futuro. Decolei o Lobo após a autorização da equipe da aeronáutica, rumo ao vulgo "inferno vermelho", gelado, sombrio e vazio por conta de sua imensidão sem fim. Claro que grande parte das características que eram ditas, partiu de um sensacionalismo da imprensa nazista.
     Aproximávamos da região norte, atravessando a região da cidade de Opochka, pois a base do
exército nazista não se aprofundada tanto ao centro da Rússia. Por incrível que pareça, o mesmo nível de ódio que o nazismo carregava da URSS, o mesmo era o nível de medo; pois, em briga de cachorro grande, não entrávamos com o gostinho de favoritismo, como éramos acostumados no início da grande guerra. A atmosfera se condensava em forma de água nebulizada, prejudicando minha vista e atormentando minha paz, e principalmente a dos passageiros que encaravam um ao outro na espera de um sinal positivo meu, afim de tranquiliza-los.
     Nesse momento, subia um arrepio na minha dorsal, provocando uma breve falta de ar, e uma
falha dos meus sentidos, onde eu nada ouvia, nada sentia, nada falava, nada via. Eu simplesmente senti uma imprevisível reação biológica do meu corpo, me fazendo pensar que talvez, a partir daquele momento de vôo, tudo mudaria na minha vida após 22 anos de experiência. Ao tentar identificar o que vinha pela frente, entre as condensadas nuvens, o quebrar do parabrisa e o sangue do passageiro ao meu lado, jorrado em meu rosto, conseguiram interromper meu processo de consciência mental, fazendo com que eu me abaixa-se no banco, com as mãos sobre a cabeça, esperando o destino me dizer do que seria meu futuro a partir daquela situação. Fomos atingidos pela aeronáutica soviética.
     O congelar dos meus pulmões me faz acordar, mas era apenas um "acordar mental", e não
físico. Eu sentia apenas o peso da minha cabeça sem a sensação da pele facial, pois estava
dormente. Tentei gritar, mas não havia forças no meu músculo das cordas vocais. Abri os olhos
no impulso, o lado esquerdo estava enterrado sob a neve, enquanto meu olho direito conseguia
enxergar o conjunto de árvores coníferas com neve acumuladas sobre seus galhos. A falta de
claridade me fez perceber que eu estava entre essa vegetação, e não à frente dela. Os fragmentos de paraquedas presos à uma das coníferas, manchado de sangue, deixou óbvio o que eu havia feito no momento da queda do Lobo, e que nada daquilo eu me lembrava. Durante este intervalo de tempo de observação, consegui mover meu braço direito em direção à conífera mais próxima, procurando levantar meu corpo de qualquer maneira. Mesmo com muita fraqueza, forcei o braço com o impulso do meu quase inaudível grito de dor, acompanhado com respingos de sangue e saliva que saía da boca, junto com uma respiração ofegante, que produzia o vapor no ar através da mistura do frio com o ar quente que saía da minha garganta. Finalmente consegui erguer meu busto e encosta-lo de lado na árvore.
     Fechei os olhos como sinal de descanso, e após alguns segundos, ao abri-los, percebi meu
capacete de couro pendurado em meio às cordas do paraquedas. Em seguida, percebi que diante do meu horizonte, aproximadamente uns trinta metros de distância de onde eu estava, minha karabiner 98k, havia sido fincada ao solo com a queda, como uma lança introduzida ao solo, com sua ponta sustentando o cabo na vertical. Mas diante de todos esses detalhes, algo me incomodava, eu não sentia minhas pernas, mas sentia que algo estava errado, e por esse motivo eu hesitava em olhar para o meu corpo. Mas num toque de impulso, ao olhar, meu coração pesou como um tanque de enchendo de água quente.     Chorei, ao imaginar do que seria a minha vida sem minha perna esquerda, com uma fratura externa, o fêmur atravessava o músculo da coxa superior, e o membro do joelho pra baixo, eu não tinha a menor ideia de onde havia caído, pois junto ao meu corpo, não estava mais.
    O silêncio tapava os meus ouvidos a cada respiração, a terrível claridade da neve soava como
escuridão, a temperatura travava meus nervos como uma dose de odol, e a terrível solidão
eliminava qualquer importância da humanidade nessa complexa natureza autônoma e sem fim.
-Deus, o que estou fazendo aqui?
    Fechei os olhos, abaixei a cabeça, e a partir desse momento, eu sentia novamente minha dorsal sofrer arrepios, e em seguida, com uma sensação de companhia, e de que aquele não era meu lugar, eu ouvia o primeiro som significante naquele local, um som que soava como um amassar de uma folha seca, que me causou um medo interior acompanhado de curiosidade.
Levantei a cabeça, e o que eu via, me fazia encher os olhos de lágrimas, e a queda por água
abaixo de todas as minhas teorias do que seria o belo, e meus questionamentos sobre a
capacidade que a natureza teria, em ser linda e apavorante ao mesmo tempo.
     Pela primeira vez, eu me deparava com um Lobo cinzento. Grande como um jovem tigre,
cinza como uma rocha, com seus olhos azuis como o amanhecer, silencioso como o interior de
um oceano, assustador como a morte, atento como um atirador de elite, sério como o ódio, e
provavelmente com a fome de um pelotão. O calor de suas patas derretiam a superfície do solo,
sua respiração denunciava a direção do vento através do vapor que saía de seus focinhos, e seu
rabo em um balançar lento, como o balanço de brinquedo que minha mãe havia construído para mim durante minha infância.Havia neste local, dois animais, um racional, outro irracional, um com capacidade de produzir tecnologias, outro não, um capaz de ler um livro e produzir um livro, maquinários, desmatar, atirar, construir, refletir, recitar poemas, produzir músicas, e o outro não. Mas naquele momento, havia um porém, eu como racional, estava no mesmo patamar do irracional, e através disso, me perguntei: "do que valia toda a minha capacidade racional naquele instante? Do que valia todo o meu esforço militar até o momento? Do que valias todos os meus estudos, meus abracos, meus boa noites e beijos que eu compartilhava com minha família, e os esforços da minha mãe desde o parto, ao serviço, para me sustentar e sustentar os meus desejos?Do que adiantaria gritar e implorar por misericórdia ao lobo?
     Tudo escoado pelo ralo como uma água derramada por um chuveiro, simplesmente por uma
ideologia política adotada pelo nazismo, e minha ânsia por querer ser alguém para o estado, sem a mínima idéia de que eu já era tudo para a minha mãe, e para mim mesmo.
Ao parar de refletir, não havia apenas um lobo cinzento, mas sim, a alcatéia. E após a observação, entendi e aceitei o que deveria ser aceito, e elevei meu olhar ao céu.
-Mãe, eu te amo, obrigado!
    Últimas palavras possíveis antes de ouvir latidos e uivos ensurdecedores, e sentir a sensação
quente através do contato dos lobos sobre mim, e o fiel abraço do meu próprio fim.

(Guilherme Graf.)

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⏰ Última atualização: Oct 23, 2020 ⏰

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