CAPÍTULO ÚNICO

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Olhei para o céu e ajustei o boné em minha cabeça, antei pela calçada das ruas do bairro quase vazias de uma tarde de domingo na cidade. Não havia trazido meu celular e não sabia a quanto tempo estava andando sem rumo chutando as pedrinhas que encontrava pela frente. Eu estava me sentindo  vazio, estava me sentindo perdido, não fisicamente, mas emocionalmente. Precisava respirar, precisava colocar todo esse turbilhão de sentimentos que passavam por mim em ordem, mas não sabia nem por onde começar. Após andar por mais alguns minutos, avistei uma distribuidora de bebidas. Coloquei a mão no bolso de trás da calça e vi que tinha ainda alguns trocados. Comprei algumas latas de cerveja com o dinheiro e comecei novamente a andar sem rumo pelas ruelas, porém agora havia em uma mão uma sacola com três latas e na outra uma lata já aberta, tomando aos poucos a bebida que descia gelada pela garganta e trazia uma sensação de sobriedade em meio a falta de lucidez. Um pouco de paz. Queria não sentir nada pelo menos por alguns minutos. Devia ter trazido ao menos minha carteira, pensei, olhando para as poucas latas que não me deixariam nem tonto. Infelizmente minha resistência ao álcool era elevada. Enquanto tentava focar na sensação que o líquido gelado me trazia, avistei uma pequena parada de ônibus com um banco de madeira um pouco gasto no meio da quadra da rua em que estava. Fui em direção a parada e me sentei, coloquei o saco ao meu lado e continuei a beber apreciando o céu azul e brilhante, que contrastava com minha tormenta interior. Quando abri a segunda lata,  me assuntei ao senti uma respiração um pouco ofegante atrás de mim, virei o pescoço e me deparei com um par de olhos castanhos claro e uma língua comprida cor de rosa.

- Oi cachorrinho? Você se perdeu? - perguntei olhando pro animal um pouco grande de pelagem totalmente preta e fofa que estava sentado atrás de mim. Não sabia dizer se possuía alguma raça - Você tem uma coleira, vamos ver qual o seu nome - falei quando percebi a coleira vermelha em volta de seu pescoço, com um pingente prata redondo. Bem na frente estava escrito Destiny.- Destiny? Que nome mais bonito, pelo visto é uma fêmea - falei depois de soltar a corrente e vi ela abanava o rabo animadamente em resposta a ter seu nome chamado. Achei engraçado o jeito direto que ela olhava pra mim.- Também teve um dia ruim e resolveu andar sem rumo para espairecer? - Perguntei pra ela, que se levantou deu uma volta no lugar e se sentou novamente, como se respondendo a minha pergunta. Dei uma leve risada da situação.    - Você quer me contar como veio parar aqui? - Como ela demostrava uma reação toda vez que falava com ela, comecei a puxar assunto com o animal, pra ver como ela iria reagir. Dessa vez ela soltou um latido baixo e eu comecei a rir. Tomei mais um gole da cerveja e me virei totalmente pra sua direção e afaguei sua cabeça. 

- Seu dono deve estar preocupado com você - falei encarando aqueles olhos claros que passavam uma pureza e ao mesmo tempo muita esperteza - você devia ir pra casa, não deixe as pessoas que te esperam preocupadas. 

O animal em resposta se levantou e esfregou a cabeça em uma de minhas pernas, e eu sorri sem nem perceber. Era uma cena muito calorosa. 

- Eu não posso te levar, eu não sei onde você mora - o animal respondeu com um grunido triste e se esfregou novamente em minha perna. Terminei a lata que segurava e peguei outra da sacola. Meus movimentos todos sendo monitorados por aquele par de olhos curiosos. 

- Infelizmente isso não é água, você não pode beber - ela ainda olhava pra mim enquanto eu colocava a lata na boca e absorvia o líquido que começou a esquentar. 

- Essa bebida é para humanos sabia - comecei a falar sem prestar muita atenção - ela não foi feita pra matar a sede, foi feita pra matar memórias e afogar as mágoas - o animal curioso virou de leve a cabeça, como se tentando entender minhas palavras. Apontei para lata mostrando pra ela o objeto e ela seguiu o movimento com os olhos - cachorros não guardam sentimentos ruins, não precisam disso - apontei o dedo dessa vez para meu próprio rosto e continuei explicando - eu sim. 

Destiny (oneshot)Onde histórias criam vida. Descubra agora