O sol está se pondo e seus últimos raios atravessam as janelas da casa, a colorindo com tons de laranja e amarelo. Minha sombra está estampada no chão, assim como a da mesa em que estou debruçada, olhando para a cadeira vazia na minha frente.
Ela me define nesse exato momento. Vazia.
Olho para a parede ao meu lado e vejo colada nela, a folha de calendário que marca a data da sua partida, um dia antes do nosso casamento que nunca aconteceu. Logo abaixo vejo a folha deste mês que é de um calendário que ganhei no mercadinho e... hoje também é o dia em que você saiu de casa.Há quatro anos atrás.
Subindo na escada com uma nota amarela na mão e minha caneta vermelha na boca, a colo no topo da parede e escrevo "eu ainda te amo". Ao me afastar um pouco, percebo a quantidade de notas coloridas com a mesma frase escrita em todas elas, em vermelho, que é uma cor forte o suficiente para representar o amor ardente que sinto por você, cada uma contando mais um dia sem a sua presença.
Colei a última nota praticamente no teto, então, vou ter de usar a outra parede para colocar mais delas. Descendo da escada, vejo a folha de jornal que nunca tirei de cima da mesinha de canto, anunciando sobre o desaparecimento de alguns soldados que deveriam ter voltado da guerra para receber seus méritos pelos atos heróicos que executaram em nome do país.
Na foto estão todos os seus companheiros e você, ainda com os cabelos tão longos e bem cuidados que eu confesso sempre ter sentido uma pontada de inveja, mas esse era seu maior ponto de charme. Inevitavelmente, uma lágrima solitária desce pelo meu rosto ao encarar este sorriso radiante que você sempre teve e que eu nunca pude esquecer.No escuro da noite, deitada na cama e fitando o teto branco, sinto meu rosto esquentar ao me lembrar de como gritava com você quase todas as noites para que saísse da frente do computador e me fizesse o favor de me dar um pouco de atenção, ao menos uma vez no dia. Agora, eu sinto dor ao passar pela sua escrivaninha, ver a cadeira vazia e o computador desligado.
Isso dói. Muito.Outro pôr-do-sol, mais um dia chegando ao fim e hoje é o dia do nosso casamento. De novo.
Sentada no balanço, encarando a grama recém aparada dos fundos da casa logo abaixo dos meus pés, tento me lembrar de como eu deveria estar feliz por esse dia, por mais que ele nunca tenha existido e eu nunca o tenha vivido. Vejo a grama se afastar de mim, somado a um empurrão no balanço e quando olho para trás tentando saber o que aconteceu, finalmente vejo você sorrindo outra vez — mas com os cabelos curtos, agora.
Desço do balanço aos tropeços e me jogo no seu colo, te derrubando na grama enquanto ouço sua risada tão energética quanto consigo me lembrar. Quando te abraço como se minha vida dependesse disso, não consigo evitar de chorar por tudo que tentei conter durante tanto tempo e de repente sinto sua mão me empurrar gentilmente para que visse o botão de rosa artificial que estava segurando.Eu posso ver que, na verdade, é uma caixinha pequena. Quando abro, vejo duas alianças de ouro com nossos nomes entalhados e choro mais ainda.
“ — Eu ainda te amo. ” — é tudo o que diz ao me abraçar novamente.
E eu também.
Não há necessidade de perguntar onde você esteve todo esse tempo, porque eu não quero saber de nada. Tudo o que eu sempre quis, era você e agora eu tenho.
Você me fez esperar e eu esperei aqui, no mesmo lugar onde havia me deixado ferida e abandonada. Muitas lágrimas me deixaram desde aquele dia, elas eram ácidas e amargas, mas agora, sinto como se todas estivessem voltando para mim e me preenchendo com a vida que estava escorrendo pelos meus dedos, apagando a trilha úmida que me marcou por tanto tempo, borrando totalmente o passado que vivi para que pudesse receber o que chamam de presente e apenas vivê-lo.Porque eu escolhi esperar.
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Eu escolhi esperar
RomanceUma jovem mulher que estava prestes a se casar com um soldado, decidiu tomar uma atitude que provaria para qualquer um o que significa amar alguém verdadeiramente e seu desaparecimento foi o que lhe permitiu fazer isso.