Ressecamento

989 119 688
                                    


Na casa reinava o silêncio, um silêncio dolorido que há muito já dominava aquelas paredes antigas e carpetes empoeirados.

Era como se todos os móveis tivessem se deixado absorver pela atmosfera pesada e árida que envolvia a propriedade, morrendo aos poucos. A casa inteira morria lentamente.

Josh não se lembrava de quando fora a última vez que saíra. Mesmo em suas tentativas incansáveis de estar do lado de fora, nunca afastava-se de fato. Aprisionado ao silêncio, e, no entanto, a cabeça preenchia-se de ruídos.

Noite após noite, Josh se esforçava para desaparecer com eles, os barulhos insuportáveis. Um arranhar estridente e irritante chiando no fundo de sua cabeça. Screch. Ssscrech. Sssscrech. Ssssssscrech.

Ele não dormia mais.

Dia e noite os sons esganiçados, corroendo-lhe a alma. E claro, havia a voz.

"A culpa foi sua... A culpa foi sua..."

Nas primeiras três vezes que ouviu, Josh tentou gritar de volta, a plenos pulmões. Justificar-se numa incessante batalha perdida desde o primeiro fôlego.


"A culpa foi sua... A culpa foi sua..."


A casa engolia seus gritos, fazia que nunca os tivesse berrado e, por mais de uma vez, Josh achou estar louco. Talvez não os tenha emitido de fato, pensou. Talvez estivesse mudo há anos e só não soubesse.

Screch. Sscrech. Ssscrech.

Rondando o corredor.

Screch. Ssscrech. Sssscrech.

O tic toc do relógio.

Ssscrech. Sssscrech. Ssssscrechhh.

CHEGA.

Nada. Ninguém. Sozinho no hall infinito. O corpo tremendo porque ele sabia que devia sentir medo.

E sabia que a culpa era dele.

E sabia que desde a morte de Noah, algo mais rondava aquela casa.

Josh não estava sozinho.

Medo captura. É fácil enxergar o medo. No rosto de cada vítima petrificada de Medusa, ele fazia-se visível.

Josh nunca fora petrificado. Mas permanecia na casa, imóvel no tempo, imóvel nas coisas, imóvel nas lembranças. Imóvel.

Havia dias em que o pó preenchendo o ar de manhã iluminava-se por um ou dois raios de sol penetrando a persiana velha, sempre fechada. O brilho fazia recordar a época em que tudo era vívido. Onde não havia pó, não havia medo, não havia barulho e não havia voz. O tempo onde havia Noah.

Mas a culpa. Enfim a culpa e de novo a culpa. E a culpa. E a culpa. A culpa. Maldita culpa. Sentia a culpa, era sua culpa, culpa, culpa, culpa, culpa.

Tremer. Tre-tremer. Tre-temer. Temer.

Sscrech.

Meia noite.

Ssscrech.

Ele levantou.

Sssscrech.

Os pés nus.

Ssssscrech.

O tic tac do relógio.

Josh não sabia mais se estava acordado. Só andava pelos corredores vazios...

Tic. Tac. Tic. Tac. Tic. Tac.

Conto de Uma Morte Seca • (One Shot)Onde histórias criam vida. Descubra agora