A tormenta

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Seus pés descalços tocavam o piso de madeira úmida de forma sucinta. Cada prosseguimento conduzia para uma série de rangidos detestáveis à sua percepção auditiva. O telhado desgastado lançava lascas e alguns pedaços precisamente fragmentado de seu material que desprendiam-se e caíam sobre o chão. O móvel à direita trazia consigo um espelho de bordas douradas em formato encaracolado. Vastamente empoeirado, o relance diligente de seu rosto refletido revelava um ser sobressaltado e farto. Seus olhos de caramelo mantinham-se afadigados durante todo o trajeto até a sacada do casarão.

O contar de cômodos vazios e opacos tornava-se estremessedor; tamanha cavidade dissimulou seus lentos movimentos em ecos que ressoavam por toda construção. Circundado por uma floresta densa e sombria, não haviam alternativas acessíveis. Sons de galhos colidindo entre si era um tormento audível e incessante. Compadecia da angústia do desconhecido, do martírio mental em consequência da adesão precipitada dos métodos angelicais mais antiquados e, singularmente, o discernimento póstumo que tanto aspirava em realizar.

Diante da varanda mais terrificante já avistada, eram visíveis os estábulos inteiramente vagos e insondáveis. O vento frio sacudia vigorosamente o balanço em um vai e vem cronologicamente presumível. Tão verossível que recordava seu companheiro em um cômico entardecer de outono, quando o horizonte ilimitava-se de cores ardentes e esplêndidas, à medida que o embalo transfigurava-se com intensidade. Era uma época feliz, onde o desassossego tangia como inexistente sob palcos excêntricos de felicitações cotidianas.

Costumavam lavrar o terreno da família às quinzenas e auxiliar no manejo animalesco da propriedade. Praticavam colheitas de trigo e abasteciam os armazéns quase todo mês por análise de fatores básicos como a produção, os custos, a demanda e a concorrência. Algumas lavouras eram colhidas antecipadamente. Seu irmão dizia que deveriam visar o escapamento de chuvas na maturação plena, evitando-se o problema de germinação. Entretiam-se com as atividades que, até certo tempo, figurou como exultante à efetuação conjunta. Aos sábados compareciam em reuniões indispensáveis para o gerenciamento da herdade e no dia seguinte asseguravam a ocasião para o repouso. Rotina análoga no decorrer de décadas, contudo, consistia de forma preferível ao vigente cenário.

O impacto nostálgico testemunhou a cena dilacerante que o fez cair de joelhos e cabisbaixo defronte do flagelo que consumia sua energia diurna. Com as mãos pesadas sobre a superfície plana de mármore escuro, lágrimas percorriam seu rosto e tocavam o piso sutilmente lúgubre. Defronte de uma situação calamitosa, seus lábios ressecados pronunciava, custosamente, poucas palavras.

- Meras memórias passageiras. – soava rouco, entre soluços repentinos sobrecarregados de desolação.

Insistia, repleto de ineficácia, em palavras inúteis no intuito de convencer seu subconsciente a despadecer de memórias dolorosas. Diálogos mentais importunavam o frugal forasteiro durante duas estações consecutivas. A época de inverno tornou-se piormente nefasta, repleta de melancolia e memórias póstumas. Devido a tais condições, buscou amparo às técnicas de ancestrais. Esteve tão concentrado em suas intuições durante todo o processo de reconexão espiritual, que sentiu, prazerosamente, sensações constantes de renascimento e purificação. Era chegada a hora de rever, como em uma fantasia majestosa ou sonho lúcido, projeções magníficas de seu ente.

A brisa leve sucinta ao telhado arruinado – ruína radiante aos olhares curiosos – fez, como em um passe de magia, toda a construção estralar em repetições imutáveis. Símile a um reino celeste repleto de cintilâncias naturais, um clarão ofuscante estendeu-se de um ponto único do céu e alongou-se solenemente pelas redondezas minimamente visíveis. Impetuosamente, um bendito ser angelical surgia dentre o balanço das folhas secas e sua força inigualável varria todas as impurezas externas para além da aflição. Glorioso Serafim, atendera seu nobre chamado, rápido como um tiro de escopeta. Inspirava aconchego ao dilatar suas asas admiráveis, brancas como a neve, e ostensivamente convidativas. Lustrava cada amargor, prognóstico sonho mirante, purificando as incertezas diante do castelo esquecido.

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