Capítulo XXI

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Santiago de Compostela — Primavera, Março de 835 d.C.

Juan retirou sua túnica desnudando o tronco, em seguida entrou na igreja, iluminada por centenas de velas espalhadas no chão de pedras.

Vários cavaleiros formavam uma fila dupla que levava ao altar onde o monge Rodrigo aguardava, trajando seu uniforme completo, com a túnica bordada com a cruz, mas ao contrário dos demais que mantinham suas espadas embainhadas a dele estava em sua mão, a ponta apoiada no chão a sua frente.

— Aproxime– se Juan Iglesias Martinez Cervantes — ordenou Rodrigo Alvarez Ibãnhez.

O jovem se aproximou e ajoelhou– se frente ao monge guerreiro.

— Você abre mão de seus títulos e honrarias? 

— Sim

— Abre mão de toda ilusão terrena?

— Sim

— Abre mão das riquezas do mundo fazendo voto de pobreza?

— Sim

— Abre mão da luxúria carnal fazendo voto de castidade?

— Sim — respondeu após uma breve hesitação pensando em Jamila.

— Aceita Jesus Cristo como seu único mestre e senhor e, por São Tiago de Compostela jura lutar para expulsar os muçulmanos do solo da Hispânia? 

— Sim.

— Então que Deus o abençoe — concluiu erguendo a espada e tocando nos ombros e cabeça de Juan com a lâmina — Penitencie seus pecados durante a negra noite, não durma nem se levante, amanhã, após o galo cantar, erga– se como irmão Juan.

O jovem deitou de bruços no chão frio de pedras.

Com a cabeça virada de lado observou os irmãos do lado direito se afastarem seus passos ecoando alto por entre as rochas da igreja, o último a sair foi Rodrigo deixando o jovem sozinho para enfrentar a longa noite.

Os minutos pareceram durar o tempo da eternidade.

As lembranças de Jamila, seu sorriso, seu olhar, seu toque, a maciez de seus lábios, faziam– no querer se erguer e partir atrás dela, onde quer que ela estivesse.

O amor que sentia não diminuíra com o tempo e a distância, pelo contrário, parecia aumentar.

Lágrimas de tristeza e saudades começaram a escorrer de seus olhos, molhando sua face, caindo na pedra do piso da igreja.

— Jesus, Nosso Senhor, tire de meu coração esse amor, afaste de mim o sentimento de luxúria que queima meu corpo e alma quando penso nela — orou com fervor.

A noite avançou, o desconforto dos músculos, o frio que invadia seu corpo deixando– o enregelado, nada se comparava com o sofrimento em sua alma. Deixara sua terra natal praticamente escorraçado pelo próprio pai, com o dinheiro que o padre Paulus lhe dera comprara um cavalo velho de um camponês e viajara até Compostela, a aldeia crescia rapidamente, graças ao fluxo constante de peregrinos.

Durante vinte dias aguardou em uma estalagem o retorno do monge Rodrigo. Ficava praticamente o dia inteiro dentro do quarto imerso em seus pensamentos, de onde somente se saía para se banhar em um córrego, fazer suas necessidades ou comer. Quando o monge retornara com seus cavaleiros ele o procurou no pequeno sítio, próximo da aldeia, que servia de sede temporária da Ordem, quando estavam em Compostela.

Rodrigo ficara feliz em vê-lo e durante um jantar frugal explicara as regras da Ordem, não possuíam propriedades ou bens, a não ser o necessário para cumprirem com sua missão, viviam da ajuda real e dos nobres que possuíam terras próximas à fronteira com o Emirado.

— Somos pobres, como vês — explicou apontando para os dez cavaleiros que o acompanhavam na ceia — Não consigo abrigar nem todos nossos membros, vários tem que se hospedar nas casas das pessoas de bom coração que apoiam nossa causa.

— Não possuo nada na vida — respondera na ocasião — Desejo apenas lutar contra os muçulmanos.

— Se essa for sua vontade, faça os votos e nos acompanhe, lutas é que não faltam nos dias de hoje — dissera com um sorriso.

E assim ele se unira aos cavaleiros da Ordem. Seu desejo era lutar contra o Emir, tentava não pensar na contradição entre jurar expulsar os muçulmanos da Hispânia e amar uma guerreira berbere, também muçulmana, embora este povo estivesse sempre em franca rebelião contra o emirado em Córdova.

O tempo passou em meio às orações e recordações, até que, finalmente ele ouviu o galo cantar.

— Graças à Deus — agradeceu sentindo– se forte, apesar de não ter dormido.

Ouviu passos entrando na igreja, botas de cavaleiros se posicionaram a sua volta. Ouviu o sussurro das lâminas sendo desembainhadas e as pontas colocadas no solo de pedra.

— Erga– se irmão Juan — ouviu a ordem de Rodrigo.

Com os músculos tremendo pelo esforço, dormentes e enregelados que estavam, ele sobrou uma perna, depois com um impulso se levantou, cambaleando ligeiramente sob o olhar de seus novos irmãos.

— Repita comigo: "Juro consagrar minhas palavras, minhas armas, minhas forças e minha vida em defesa dos mistérios da fé cristã e da Unificação de Deus. Prometo, ser submisso e fiel a Ordem. Na presença de três inimigos, não fugirei e, mesmo sozinho, combate-los– ei."

Juan repetiu o juramento sentindo orgulho de sua nova condição.

— Non nobis, Domine, non nobis sed Nomini tuo da Gloriam (Nada para nós, Senhor, mas para dar glória a Seu Nome) — disse em voz alta e todos os cavaleiros repetiram, incluindo Juan — Vista sua túnica – ordenou o monge guerreiro estendendo uma camisa de algodão, cota de malha e uma túnica branca com a cruz negra bordada.

Rapidamente o jovem vestiu o traje.

— Tome sua espada e expulse os muçulmanos da Hispânia – ordenou entregando o cinto com a espada embainhada.

— Assim será, com a graça de Deus e a ajuda de São Tiago de Compostela — respondeu com voz firme. 

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde histórias criam vida. Descubra agora