Capítulo XXIV

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Reino das Astúrias — Primavera, Junho de 835 d.C.

Após a chuva do dia anterior que durou a noite inteira, o dia amanheceu ensolarado, embora frio. Jamila estava pronta quando vieram trazer seu desjejum, leite, queijo, frutas e pão. Ela e seu irmão foram recebidos com toda honra pelo alcaide da vila, que cedera sua própria casa, a única feita de alvenaria.

A tropa que os escoltara até ali aguardaria sua volta, a partir de agora seriam escoltados por cavaleiros do rei cristão.

Ela sentia uma saudade atroz de seus filhos, mas Suleymán fora categórico, ela devia acompanhar Mahmud e representa-lo junto ao rei.

— Porque me envias sabendo que não desejo? – perguntou ciente de que ele entenderia a pergunta.

— Porque é minha esposa e confio em ti – respondeu dando por encerrada a questão.

Vestiu o conjunto de calça e túnica berberes que permitia que cavalgasse mais confortavelmente, não portava sua cimitarra, pois seu irmão não permitira. Alegava que os cristãos não estavam acostumados a ver uma guerreira berbere e não queria ofendê-los.

Ao descer Mahmud e Yusuf a aguardavam, seu mentor conversava animadamente com padre Paulus, ficara surpresa ao encontrá-lo os aguardando na cidade, mas graças a Alá, Juan não estava em sua companhia.

— Nossa escolta chegou ontem à noite e nos aguarda – disse seu irmão apresentando um cavaleiro alto e ruivo de nome Rodrigo. Ele vestia calças, botas e uma túnica branca com uma cruz negra bordada no peito por cima de uma cota de malha, em sua cintura havia um cinto de onde pendia uma espada e um crucifixo.

— Minha senhora — cumprimentou o cavaleiro fazendo uma mesura — Não temas nenhum perigo, eu e meus homens morreremos com prazer para que chegues sã e salva à seu destino.

— Obrigada senhor – respondeu e se aproximou de Yusuf.

— Bom dia minha menina — cumprimentou o árabe e ela sorriu para ele e padre Paulus.

Gostava do sacerdote, ele sempre fora gentil com ela, embora no início tivesse sido contra seu relacionamento com Juan.

— Olá, padre — cumprimentou– a.

— Bom dia, minha senhora, estamos prontos para partir — avisou.

Além da escolta de cavaleiros um pequeno comboio de servos, montados em asnos e carregando suprimentos e tendas os acompanhariam.

— Obrigada — agradeceu.

— Antes de sairmos, precisa saber que Juan faz parte da escolta — Paulus advertiu– a com um sussurro apressado.

Jamila sentiu o sangue fugir de seu rosto e novamente voltar com força fazendo– o corar. Alá resolvera testar sua fé e honra, pensou angustiada. Encontrara Juan novamente, deveria contar-lhe que os gêmeos eram dele? Após o parto Suleymán anunciara que eles eram prematuros e não permitira visitas às crianças, para todos, elas suas.

— Vamos — ordenou Mahmud se dirigindo para o exterior.

Ela o acompanhou e observou, ao redor da casa havia vários cavaleiros trajando a mesma vestimenta que Rodrigo, todos montados em seus animais, mas não localizou Juan, o que a aliviou, ao menos por enquanto.

A coluna começou a se movimentar lentamente, ao saírem da aldeia os cavaleiros se espalharam pelas laterais e retaguarda da coluna principal onde seguia Mahmud, Jamila, o padre Paulus e Yusuf, além do comboio de asnos dirigidos pelos servos. Rodrigo trotava ao lado de Mahmud, entretidos em uma conversa amigável.

Durante o dia ela não viu Juan, no fim da tarde pararam em vilarejo ainda menor que Liyun e acamparam em sua praça central, onde os servos armaram uma tenda para Jamila e Mahmud, com uma divisória no centro.

Uma fogueira foi acesa e um cozido preparado em um caldeirão. Os cavaleiros da escolta se aproximavam, se serviam e se afastavam. Jamila ceou sentada em um tronco de árvore que servia como banco, apesar da insistência de seu irmão que ela jantasse no interior da tenda montada, onde havia uma pequena mesa e duas cadeiras.

Quando pensou que Juan não apareceria, ela o observou caminhando, saindo da escuridão da noite, vestia a mesma roupa que Rodrigo, seus cabelos estavam mais compridos e uma barba incipiente começava a se formar em seu rosto, por um breve instante ele a encarou voltando a baixar a cabeça.

Por Alá! Pensou sentindo o coração partido, a expressão que viu no rosto dele, não era mais a confiante e quase arrogante que conhecera em Mérida, era a face de um homem sofrido.

Ele aceitou a cuia com cozido que um servo lhe entregou e ainda de olhos baixos se afastou, ela nem saberia dizer se ele a vira. Estaria magoado com ela, com toda certeza, pensou enquanto se recolhia à tenda e deixava lágrimas silenciosas escorrerem por seu rosto.

Depois de uma noite mal dormida ela se levantou e após o desjejum o acampamento foi desmontado a viagem se reiniciou. O dia estava frio e ela vestia um manto por cima de sua túnica berbere, seu cabelo estava novamente preso por baixo de um véu, agora era uma mulher casada e não devia se mostrar com os cabelos à mostra.

Percebeu que Mahmud conversava com Yusuf, enquanto trotavam lado a lado e golpeou o flanco de sua montaria alcançando e emparelhando ao lado de Rodrigo.

— Minha senhora — cumprimentou-a com uma mesura suave.

— Meu senhor, poderia me informar onde se posiciona o filho do Duque de Luco de Ástures? - perguntou ousadamente e percebeu que o surpreendera.

— Se se refere ao irmão Juan, ele avança na vanguarda - respondeu apontando com a mão a direção onde se via à distância dois cavaleiros.

— Obrigada - agradeceu e antes que ele dissesse algo golpeou o flanco de sua montaria e disparou galopando. 

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde histórias criam vida. Descubra agora