Reino das Astúrias — Verão, Setembro de 835 d.C.
A ordem de São Tiago de Compostela e as tropas dos Duques e do rei não encontraram mais as tropas comandadas por Jamal, este havia recuado de volta para o interior de Al-Andalus, com os boatos de uma iminente rebelião berbere.
Mas isso não queria dizer que ficaram inativos, galeras vikings vindo do mar do norte começaram a assolar a costa dos reinos Franco e das Astúrias, saqueando e incendiando vilas, aldeias e cidades litorâneas.
Para Juan a nova luta lhe trouxe alívio para a alma conturbada, somente no calor dos combates conseguia ter paz e esquecer Jamila.
Passaram a percorrer a costa em busca de sinais dos vikings, geralmente os ataques eram rápidos e quando chegavam encontravam somente escombros de casas incendiadas. Os sobreviventes relatavam que deveria haver quase uma centena de barcos.
Mas certa manhã a sorte mudou, dois batedores avistaram do alto de um penhasco as galeras cruzando as águas e avisou o irmão Rodrigo que estava acampado com suas tropas, reforçadas com homens cedidos pelos duques e pelo rei, em uma cidade não muito longe da costa.
— Meus irmãos em Cristo, os bárbaros do norte foram avistados, preparemo-nos, em breve, com a ajuda de Deus os enfrentaremos! — avisou.
Não demorou muitas horas e o segundo batedor apareceu, ao final do dia, avisando que a esquadra inimiga havia desembarcado em uma cidade de nome Santander20 e saqueavam a região.
— Há quantas horas estão daqui? – perguntou Rodrigo.
— De cavalo cerca de três horas – respondeu o batedor.
Se partissem imediatamente poderiam chegar todos perto do amanhecer, os vikings costumavam passar a noite nas aldeias e cidades saqueando– as, partindo ao amanhecer, acreditando que qualquer tropa de tentasse partir contra eles demoraria muito tempo para ser reunida.
— Muito bem, avançaremos na frente com a cavalaria, a infantaria seguirá atrás, devemos estar em posição para atacar antes de o sol nascer — ordenou para um oficial que comandava os infantes.
— Muito bem, meu senhor — respondeu o homem e passou a gritar ordens para seus suboficiais.
— Meu senhor Pablo — disse se dirigindo a um fidalgo que comandava a cavalaria que não pertencia a ordem — Avançarei com meus irmãos para bater o terreno e localizar uma posição vantajosa, creio que mesmo em menor número se os surpreendermos Cristo nos dará a vitória.
— Está bem, irmão Rodrigo — respondeu o fidalgo, aliviado por não ter que ir à frente, como todos os demais ele temia enfrentar os temíveis normandos21, como eram chamados pelos francos.
Juan cavalgou ao lado de seus irmãos durante a noite, orientando– se pela lua e as estrelas, até que o batedor fez um sinal indicando algumas luzes ao longe, era a vila que parecia ter algumas casas incendiadas.
O vento que soprava do litoral trazia até eles o som de risadas e cantorias.
— Os malditos pagãos estão se embriagando e comemorando — rosnou irmão Duarte.
— O castigo de Deus cairá sobre eles, não se preocupe, irmão — respondeu Rodrigo.
Desmontaram e aguardaram após espalhares algumas sentinelas, teriam que torcer para que a infantaria e o restante da cavalaria chegassem.
A ordem crescera, pois não se importava com a origem de seus membros, desde que fizessem os votos de pobreza, obediência e castidade, e soubessem montar e lutar, eram bem vindos.
Agora contavam com quase duzentos cavaleiros, todos uniformizados com a túnica branca e a cruz negra bordada, graças às doações do Rei e de alguns Duques que enviavam também homens para lutarem sob a bandeira da Ordem.
O amanhecer começou a se aproximar, o som da gritaria e cantoria cessara, uma fumaça negra era vista subindo ao céu dos escombros do que sobrara da aldeia.
À distância Juan, que estivera afiando sua espada com uma pedra de molar22, observou o mar, uma infinidade de embarcações estavam ancoradas quase na linha de arrebentação, graças aos calados largos e baixos dos drakkares.
Nesse momento um batedor se aproximou correndo.
— A infantaria, está quase próxima — avisou enquanto dominava sua montaria.
— Quanto tempo? — perguntou Rodrigo.
— Uma hora no máximo — respondeu bebendo um gole de seu odre de pele de boi.
— Não temos esse tempo todo, parece que os vikings estão se preparando para partir — avisou Juan que forçara a vista e podia observar pequenos pontos se movimentando na orla, bem como gritos trazidos pelo vento.
— Acho que estão levando os aldeões para os barcos — constatou um irmão.
— Escravos, serão transformados em escravos, não podemos permitir — rosnou Juan.
— Está bem, volte para a coluna, avise que não esperaremos, diga que eu ordeno que a cavalaria avance o mais rapidamente possível. Irei atacar e pela graça de Deus, venceremos — decidiu Rodrigo colocando seu elmo na cabeça.
O batedor concordou com um movimento de cabeça e logo disparou galopando pelo caminho que viera.
— Muito bem irmão! – disse em voz alta Rodrigo aos cerca de cento e cinquenta cavaleiros que o acompanharam — Estamos em inferioridade numérica, mas contamos com o elemento surpresa e estamos montados enquanto eles não!
Todos ficaram em silêncio observando– o atentamente. Rodrigo se aproximou de sua montaria que um cavaleiro lhe trouxera.
— Montem! — gritou irmão Martinez o cavaleiro mais velho e segundo– em– comando.
Rapidamente montaram, após colocarem os elmos, Juan subiu em seu alazão negro, um presente oferecido pelo rei em razão da escolta que fizera de Jamila e seu irmão semanas antes e ajeitou o escudo no braço esquerdo.
— Irmãos! Cavalguem comigo! Pelo amor de Cristo lutemos contra os pagãos que vem assolando nossa terra, escravizando mulheres e crianças! — disse sacando sua espada.
O sussurro de cento e cinquenta lâminas sendo desembainhadas acompanhou– o.
— Não temam a morte, pois lutamos por Cristo e se for a vontade D'Ele nos encontraremos no paraíso! — dessa vez gritou erguendo a espada para o alto.
Em seguida a apontou para frente e com um golpe de seus calcanhares fez sua montaria avançar galopando colina abaixo.
— Por Cristo! — gritaram todos a uma só voz e seguiram seu líder.
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A GUERREIRA INDOMÁVEL
Romance"O que acontece quando uma jovem guerreira se vê entre o amor e sua convicção?" Século IX d.C., a península ibérica dominada pelos árabes se vê envolta em fortes tensões sociais. Uma embaixada enviada pelo último rei cristão à Mérida tem o objetivo...