Capítulo 1 - O início

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Seres humanos são criaturas de costumes. A antropologia e a psicologia dizem que quebrar hábitos está dentre as coisas mais complexas a serem feitas. Temos a tendência de procrastinar, agir por impulso e repetir padrões de comportamento em relacionamentos e na vida profissional. Existem poucas coisas que nós humanos gostemos mais do que o familiar. Repetimos os mesmos erros de nossos pais e projetamos desejos e atitudes um tanto quanto não saudáveis em nossos relacionamentos com as pessoas fora do nosso ambiente familiar; como se estes tivessem algum conhecimento sobre nossos gatilhos. Não temos tempo de processar quando algo familiar (no sentido de traumas ou desapontamentos) ocorrem em nossos relacionamentos fora de nossas famílias, apenas reagimos.

Estamos acostumados a reagir, pois lidamos com situações similares em nossas casas. Principalmente na infância ou na adolescência. Um exemplo disso são nossas linguagens do amor, quando recebemos algo que não estamos familiarizados a ver como amor, tendemos a ignorar ou nos sentirmos desenganados. Se aprendemos a gostar de surpresas com nossos parentes e nossos parceiros ou amizades não realizam surpresas para nós, pode ser motivo para conflito. Ou quando passamos a maior parte de nossa convivência familiar nos sentindo incomodados com uma certa atitude que um de nossos cuidadores tiveram, e as pessoas próximas a nós fora da família realizam a mesma ação, tendemos a gritar ou ter muita raiva enrustida em nosso subconsciente; e nem mesmo entendemos porque agimos daquela maneira inicialmente. É uma batalha constante manter conexões duradouras com as pessoas que queremos ao nosso redor. Até mesmo se você é alguém que se considera extrovertido, como eu. A mente humana é tão complexa e fascinante. Cada um tem sua própria jornada individual para perceber quem e o que quer que permaneça em seu mundo. E pode ser um processo divertido.

Percebi que eu, Aurora Magalhães, por ser uma grande fã de estabilidade, conforto e do familiar, acabava me colocando nas mesmas situações em minha vida amorosa e profissional de variadas maneiras, esperando um resultado distinto. O motivo era que eu as considerava mais fáceis de resolver, não me eram estranhas, então eu sabia que caminho seguir. É um tipo de conforto que estava tão enraizado, que eu não fazia ideia de que estava presente em mim. Sempre tive muito orgulho em ser uma pessoa que pensa "fora da caixa", "diferente" e "especial". Esqueci que outras pessoas também têm passado pelos mesmos tipos de padrão de comportamento e pensamento que os meus, eu só não havia me dado conta. Cada dia que passa percebo que as pessoas têm muito mais em comum do que diferenças. Sendo simplista, os pilares de importância para muitos, são: Relacionamentos, vida profissional e estabilidade. Quando digo estabilidade, não me refiro a uma vida regrada e de acordo com o padrão do que a sociedade considera ser normal; eu falo de ter algum tipo de "casa", mesmo que sua vida seja vista como um caos aos olhos de quem observa de fora.

Acho que a maioria de nós também pode se identificar com alguns sentimentos, que costumamos sentir ao longo da vida. Pessoalmente, sinto que eles nos aproximam. O amor, a perda, a tristeza, o desapontamento, a felicidade e a paz. O sentimento comum a muitos, e que desejo sentir no momento, é o de que eu compreendi a mim mesma. Muitas pessoas passam por este processo, eu não me dei a oportunidade de fazê-lo ainda. Como minha mãe Tereza diz, eu sempre pensei demais. Meu problema com o autoconhecimento não foi a falta de "meditação interna" necessária para descobrir meus valores, meus hobbies e gostos no geral; mas sim, a falta de relacionamentos interpessoais fora do ambiente da família. Você se descobre de acordo com a sua convivência com pessoas próximas. Minha dificuldade em me aproximar verdadeiramente de alguém, vem do fato de eu ser muito sentimental, e eu sentir com todo o meu ser a emoção de quem é do meu círculo social. Eu sou como uma esponja, tudo o que fazem ou sentem ao meu redor, eu automaticamente sinto. Algumas vezes em maior escala, outras em menor escala. Por isso, decidi covardemente, que iria fugir de interações sociais. E fui obrigada a encarar as consequências disso.

Solidão é um dos sentimentos mais esmagadores que existem. Sentir-se incompreendido, ignorado e não merecedor de relações saudáveis pode te enlouquecer. Certamente estava acontecendo comigo. Um equilíbrio entre solidão e convívio com pessoas que você admira e te fazem ser melhor (mas também pessoas as quais você ama, mas talvez não queira repetir os mesmos padrões de comportamento), são importantes para desenvolver um senso de pertencimento e autoconhecimento. E a minha história tem esse objetivo. Um equilíbrio entre o familiar e a busca pelo desconhecido, de uma maneira que eu não mude completamente e muito subitamente, mas por etapas. Meus momentos favoritos sempre foram quando a família está reunida para assistir um filme, um almoço de domingo ou no natal. E esta é a sensação que eu espero passar com a minha história. Considero a escrita e arte ferramentas muito importantes, onde você pode encontrar a sua própria voz e escutar vozes com experiências divergentes das suas. É onde eu aprendo mais, é onde eu me expresso e sinto coisas que nunca senti antes. Espero que minha jornada possa ser de alguma ajuda.

Abrir mão da dependência extrema de quem está ao seu lado todos os dias e da percepção que tem de você não é fácil, mas é possível. Para mim, que sempre fui cuidada pelos que estão em volta de mim – resolvi retribuir isso ao mundo sem ao menos saber como cuidar de mim mesma – e é um desafio. Porém, não estamos todos em busca de crescimento pessoal? Eu tenho a filosofia de que se ao menos este é um pensamento que ocorra na sua mente ocasionalmente, já é um avanço. Um avanço pode não parecer grande no início ou para o mundo exterior, mas se você o considera como um avanço, confie em si. Enquanto mulher, é importante sentir que temos uma voz, já que nos é negada cotidianamente. Sou privilegiada em muitos aspectos, minhas companheiras têm menos acesso a possibilidade de serem ouvidas, e essa injustiça me incomoda. Falar com pessoas com diferentes vivências e trazer isso de alguma maneira, é importante para mim. É um dos motivos de eu amar contar e ouvir histórias, é o motivo de eu escrever e ter escolhido o jornalismo como profissão. É ambicioso e pretencioso eu achar que conseguiria passar isso em um livro, mas se alguma coisa que eu compartilhar ficar na mente de ao menos uma pessoa, considerarei uma vitória. 

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