Olhe para a Lua

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CAPÍTULO ÚNICO

Não sei se ele se lembra de quando éramos adolescentes e fui castigada por uma nota baixa em matemática. Foi um castigo que, olhando para o passado, foi muito justo, mas que, na época, senti como se fosse o fim do mundo. Tudo o que um adolescente teme, mais até do que a morte, é ficar sem o celular por uma semana. Especialmente quando achamos que temos que ficar o dia inteiro olhando para o aparelho esperando uma mensagem de um certo alguém – mesmo que a tal mensagem nunca chegue e você perca a sua tarde inteira por isso.

Naquele dia, eu me lembro que estava estudando matemática. É claro que estava – sem celular, sem computador, o que mais eu faria? Iria estudar para tentar recuperar o meu queridinho o mais rápido possível. É, mas mesmo com a mente focada no lugar certo, matemática nunca foi o meu forte. Por isso, rapidamente me distraí com a vista da minha janela. E, se minha janela não estivesse lá, não há dúvida de que eu iria me distrair com qualquer outra coisa. Mas, naquele dia, ainda bem que foi com a minha janela.

O meu prédio era tão alto que lembro que senti como se conseguisse olhar toda a cidade lá embaixo. Era tarde, e ainda assim a rua estava completamente iluminada por carros que passavam a todo momento. A cidade parecia diferente. Bom, se devo ser honesta, tudo pareceu diferente depois que o conheci. As cores ficaram mais vivas. Meu céu acinzentado, meu mundo daltônico, foi completamente transformado, pintado com cores vivas. Virou um festival de frequências luminosas e o único culpado foi o som daquela risada gostosa de se ouvir, foi o toque da mão de guitarrista dele. Nunca antes meu mundo fora tão bonito quanto agora e eu amava esse efeito que ele havia me presenteado, com tanta intensidade que as pecinhas do meu coração doíam.

Quando comentei que morava no andar mais alto de um prédio,

"Deve ser lindo poder olhar todas as pessoinhas daí de cima", ele me disse.

Sim, isso era verdade. Eu adorava olhar para fora e ver a imagem de pessoas minúsculas atravessando as ruas, vivendo suas vidas. Mas naquele dia em específico, fiquei hipnotizada pela imagem da lua. Não era de se espantar: ela estava absurdamente linda. Estava grande, gigantesca, tão cheia que parecia ter engolido os outros planetas. Brilhava como uma pérola, igual a das ostras, no mesmo tom de branco suavizado, mas era revestida com leves toques alaranjados. Me lembro que cheguei a pensar que parecia um pouco enferrujada. Não consigo exprimir para vocês a vista abençoada que tive naquele dia – as palavras são incapazes de fazer jus à imagem que vi. Por culpa dela – ou seria por benção dela? – a noite ficara iluminada em um tom misterioso; parecia até que era falsa, pois ela brilhava despreocupadamente, como quem não se importa se estão olhando ou não, e eu não conseguia não pensar nele.

Bom, ele não é grande ou brilhoso e, obviamente, não é branco, também. Só que a lua estava tão perfeita que por um momento achei que havia avistado os olhos dele lá em cima. Os olhinhos expressivos, que sempre me faziam perder a coragem para confessar que o amava. Os mesmos olhos que, assim como aquela lua, me hipnotizam de maneiras que não consigo explicar. Aqueles olhos que não saem da minha cabeça nem por um segundo, nem durante a madrugada, pois sempre estão me assombrando em meus sonhos que, um dia, foram tão calmos. Não consegui parar de pensar em como seria incrível admirar essa obra de arte que Deus nos deu ao lado dele, com nossas mãos entrelaçadas. Ah, eu conseguia até ouvir o som do nosso confortável silêncio, se é que isso faz algum sentido. Ele nunca foi de falar muito, é verdade, mas até mesmo seu silêncio era diferente do silêncio dos outros. Não era embaraçoso ou desconfortável. Era... Quietude. Uma quietude pacífica. E me dava tranquilidade.

Pensando em como seria lindo compartilhar esse momento ao lado do meu amor de adolescente, eu senti a necessidade urgente de falar para ele que tinha que olhar para a lua também. Eu lembro a jornada que passei para conseguir driblar meu castigo e mandar essa mensagem tão inesperada. Foi uma manobra complicada: tive que pegar o celular da minha mãe e mandar a mensagem para uma amiga, a única que eu sabia o telefone de cor e salteado, pedindo que ela lhe transmitisse o recado. É, eu sei. Ele deve ter achado que eu era maluca, mas, francamente, eu não me importava com isso. Nunca fiz questão de esconder os sentimentos dentro de mim, de expressar o que eu tinha para expressar, pois sentia tanto, havia tanta emoção para expressar, que não havia espaço para medo. Então, mandei o recado.

Não sei se ele sabia o quanto eu gostava do espaço sideral, das estrelas, dos planetas. De todos os astros. É só que o fato de eu não conseguir parar de pensar nele enquanto eu os olhava me fez entender que nada no mundo inteiro, naquela galáxia enorme, na imensidão da Via Láctea, me faria esquecer dele. E eu olhei para a lua e pensei, meu Deus, por que esperou tanto para me mostrar um amor assim tão puro? Tão puro que até meus pensamentos mais mundanos, como a beleza do luar, me transportam para os olhos dele? Não imaginei uma mansão, uma fortuna inacabável ou um enorme casamento para nós, não. Só me imaginei ao seu lado, comendo marshmallows próximos de uma fogueira enquanto olhávamos para o grande satélite acima de nós. E, sinceramente? Era tudo que eu fielmente acreditava precisar. Mesmo que fosse um amor adolescente, hoje ainda penso que, talvez, eu estivesse certa.

No dia seguinte, eu me lembro, o perguntei se havia olhado para a lua ontem à noite. A resposta me atingiu como uma bala de canhão atinge o toldo de um circo e rasgou meu coração em pedacinhos. Para mim, ficou tudo muito claro: eu nunca o teria ao meu lado. Ele nunca me veria como eu o via, nunca pensaria em meus olhos quando olhasse para o céu estrelado. Nós nunca iríamos dividir um cobertor e segurar a mão do outro na quietude dele. O meu amor, minha maior paixão, nunca irá me amar e me levou tanto tempo para descobrir o que eu, no fundo, já sabia, e me recusava a entender. Nunca vou ser amada por um amor semelhante ao que eu sinto por você., eu pensei.

E até mesmo depois de todo esse tempo, ainda olho para o céu e me lembro dele. Me lembro dele, é claro que sim, porque ele é tão interessante quanto o mistério de todos os planetas inexplorados e é tão lindo quanto as constelações que vejo no meu telescópio improvisado. E acho que, bem, isso é amor. É lembrar do outro nas pequenas coisas que sabíamos, sempre soubemos que existiam, mas nunca foram antes reparadas, como se agora todas elas tivessem um propósito, um significado que você não conhecia antes. E quero que ele saiba que, mesmo depois de tudo, ele sempre será o significado da minha lua.

"A lua estava a mesma de sempre. Não vi nada diferente nela. Por quê?"

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oie! obrigada por ter lido o meu conto! curiosidade: escrevi esse conto quando tinha 16 anos e hoje, com 20, faz 3 anos e meio que estou com o rapaz que o inspirou.

espero que tenham gostado! aceito críticas, sugestões e comentários com muito carinho! :)

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