Capítulo 4 - Primo

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A casa da avó de Henry ficava muito longe do nosso bairro, e por isso, eu pensei que ele não me forçaria a caminhar até lá. Mas Henry parecia não estar pensando muito bem no que estava fazendo, estava no modo automático desde que saiu pela porta. Em alguns momentos achei que estávamos perdidos, mas ele continuava andando sem parar. Meia hora depois, caminhando igual dois doidos, chegamos ao que parecia ser um bairro escondido de todo o resto da cidade. Henry deu seu nome na portaria do condomínio e eles liberaram a entrada.

A fachada da casa era toda branca, com uma janela enorme e redonda no centro, um jardim imenso rodeando a mansão e umas colunas esquisitas. Eu não via nenhuma necessidade daquela casa ser tão grande, eu poderia me perder ali facilmente. Dei alguns passos a caminho da grande porta (que era exageradamente alta), mas Henry puxou a minha mão para que eu voltasse para a calçada junto dele. Ele estava nervoso, tanto que não soltou minha mão quando voltei ao lugar, apertei ela, que estava suada, e ele finalmente me olhou. Soltando um suspiro cansado, e se pôs a andar pela trilha de pedras até a porta, me arrastando pela mão.

- Só pra constar, se você me largar pra ficar brincando com o meu primo, eu vou te devolver pra sua mãe. - Henry quebrou o silêncio, assim que tocou a campainha.

- Qual é? Você sabe que eu adoro brincar com carrinhos! - fingi fazer uma birra.

- Pois não? - um senhor atendeu a porta, pensei ter voltado para a década de 1980, onde os empregados tinham que usar um uniforme preto e branco.

- Eu tenho horário marcado com a sua patroa. - Henry disse, tentando parecer casual.

O homem de idade levantou a sobrancelha, não entendendo do que se tratava. Óbvio, ele tinha falado como se ela fosse a dentista dele e ele estivesse lá para uma consulta rotineira.

- Ele é o neto dela. - falei, beliscando a costela do meu melhor amigo. O mordomo (não sabia se era realmente) olhou para mim, e depois para nossas mãos ainda juntas. Henry notou o olhar dele, largando minha mão bruscamente e corando.

- Ah, sim. Deve ser o Henry? - o senhor estampou um sorriso, nos dando passagem.

- Sim, e essa é a minha melhor amiga, Maria. - ele me apresentou, finalmente.

Não entendi porque ele estava com aquela mania de me chamar de Maria, sendo que o resto do mundo me chamava pelo apelido de Duda. Quando eu perguntava, ele dizia que era porque ele queria ser diferente das outras pessoas, ele queria ser único. Papo de doido.

- Podem entrar, fiquem à vontade. A sua avó teve que dar uma saída, ela achou que você não viria mais, pois você está... meia hora atrasado. Mas o seu primo está na sala, caso queria conhecer ele. - ele indicou uma porta na casa enorme.

- Tá. Pode ser. - ele deu de ombros. Soquei o braço dele. Onde ele tinha enfiado a educação que a mãe dele tinha dado?

- A gente agradece. - falei, puxando ele para a porta da sala.

- Ai! Que isso, anda malhando? - ele resmungou, alisando o braço.

- Olha aqui, a sua avó pode ser uma doida, mas o seu primo não tem nada a ver com essa história. Vê se para de besteira! - dei bronca. Me sentia a própria tia Vitória.

- Tá, tá! Só vamos logo.

- Você primeiro, cavalheiro. - falei, dando passagem para ele.

Ele abriu a porta branca, e caminhou para dentro do cômodo. Eu fui atrás dele, e como ele era visivelmente maior do que eu, não conseguia enxergar quase nada do que estava à frente. Sem aviso, Henry parou no meio do caminho, fazendo com que eu batesse de cara nas costas dele, parecia uma muralha de tijolos.

- Ai! O que aconteceu? - esfreguei a testa, dando a volta - Esqueceu como que and... - parei de falar, ao ver seus olhos fixados em uma imagem parecida com a dele. Havia um... cara no meio da sala, parado, encarando ele.

A julgar pelo cabelo loiro e os olhos da mesma cor, constatei que aquele era o tal "priminho" de Henry. Que não tinha nada de inho, parecia mais um gigante de terno e gravata, com o cabelo lambido para trás.

- Deve ser o Henry. - ele chegou mais perto, estendendo a mão para o meu melhor amigo.

- Sim. E você deve ser o meu primo, que ninguém me informou o nome. - ou a idade, quis acrescentar. Henry estava visivelmente incomodado.

- Yuri, prazer. - os dois trocaram cumprimentos.

Eu, que havia esquecido completamente que estava ali em carne e osso, e não só como expectadora daquele momento constrangedor, fiquei encarando o tal primo do Henry de uma forma nada educada. Quando ele percebeu minha presença, me encarou de volta, dando um sorriso... estranho, não consegui interpretar qual era a intensão daquele gesto dele.

- Perdão, eu não tinha visto você. - ele disse, me deixando vermelha. Alguém havia ligado o aquecedor daquela casa? De onde vinha tanto calor?

Devo ter esquecido de responder, e provavelmente ficado com uma cara de idiota, pois Henry precisou clarear a garganta para que voltasse à terra.

- Maria Eduarda, prazer. - falei, depois de alguns segundos em transe. Voltei para o lado de Henry, onde era seguro ficar.

- Vocês são irmãos? - Yuri perguntou.

- Não, nós somos - me preparei para dizer "melhores amigos", mas Henry me atropelou.

- Namorados. - ele quase gritou. Olhei para ele, incrédula.

Ele, sustentando o olhar para Yuri, agarrou minha mão novamente, entrelaçando nossos dedos. No momento em que me dei conta do que ele estava fazendo, fechei a cara para ele. Não acreditei que o meu melhor amigo, aquele mesmo que era muito confiante, estava se sentindo ameaçado por causa do, aparentemente, primo bem sucedido dele. Senti vontade de socá-lo de novo.

- Ah. - Yuri disse, e por um segundo achei que tinha um pouco de desapontamento em sua voz - Bom, fiquem à vontade, a vovó já vai chegar. - ele saiu da sala.

Henry deu um sorriso amarelo para ele, e soltou minha mão assim que ele desapareceu atrás da porta.

- Qual é o seu problema? - perguntei, levemente alterada.

- Ah, eu te fiz um favor, tá? Aquele senhor engomadinho estava te comendo com os olhos! - ele se explicou, todo ofendido.

- Não venha colocar a culpa em mim! Eu sei muito bem que você fez isso porque queria competir com ele. - soquei seu braço.

- Você que tá dizendo. Eu fiz isso pra te proteger. - ele deu de ombros.

- Fique o senhor sabendo, que eu não preciso de proteção, tá?

- Tá. - ele olhou para mim, como que se pedisse algo - Você vai desmentir? - perguntou.

- Não, Henry. - ele suspirou de alívio - Mas acho que ele vai descobrir sozinho.

- Não tem como, Maria. Ele não conhece a gente.

- Mas nós não parecemos um casal. Tipo, você já viu o jeito que o papai olha pra a mamãe? Ou o jeito que o tio Bruno olha para a Vitória? Não tem como fingir isso. -

- É. - ele olhou para o chão - Bem que a sua mãe disse que você tem o oftalmologista na semana que vem.

- O quer dizer com isso?

- Que às vezes você não enxerga as coisas que estão bem na sua frente. - ele disse, voltando a olhar meu rosto, com o semblante desanimado.

Encarei ele por alguns segundos, sem saber o que dizer. O que ele estava querendo dizer com aquilo?

- Henry, querido! Como você está crescido. - uma mulher, com voz esganiçada gritou perto do sofá em que estávamos sentados.

Ele, que até agora não tinha tirado os olhos de meu rosto, olhou para cima, suspirando.

- Oi, vó.

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