Southampton à meia noite

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Descendo as escadas...

Toda escada range...

A cada minuto acho que estou ouvindo a sra. Cawley gritando meu nome.

—Senhorita Cooper! – chamará aos berros.

Paro e ouço, mas não há nada para ouvir. Minhas mãos estão úmidas e estou tremendo. Os cordões de minha touca desamarram e ela cai da minha cabeça rolando até o pé da escadaria, parando somente quando bate na porta de entrada. Faz um som que parece que acordará a casa. Eu a deixo no chão enquanto pelejo com o ferrolho da porta. Por fim, ele desliza com um rangido enferrujado.

O ar frio e úmido da rua invade a casa. Pego minha touca pela fita azul, mas não me atrevo a parar para colocá-la. Fecho a porta com o máximo de cuidado e rezo para que nenhum ladrão tente abri-la antes que eu volte, então saio correndo rua abaixo, com minha touca pendurada em uma das mãos e minha carta dobrada na outra.

Luzes refletem em meus olhos e percebo que o guarda-noturno está à minha frente. Não devo ultrapassá-lo. Ele perguntaria o que eu fazia ali sozinha. Paro na porta de uma loja mal iluminada, amarro minha touca e continuo caminhando o mais rápido que posso.

Mais luzes agora. São alguns corredores com tochas acesas e quatro homens carregando uma senhora numa liteira – pela janela só consigo ver seu cabelo empoado, com um penteado alto e o decote com babados de seu vestido amarelo. A liteira é pintada primorosamente nas cores preto e dourado, mas as varas de sustentação que os dois homens seguram são grosseiras e cheias de lascas. Encolho-me junto a um portão com as costas viradas e eles passam por mim sem perder o ritmo. Posso ouvir o trote das passadas cada vez mais longe.

Depois vejo um grupo de marinheiros toscos rindo e gritando. Southampton é cheia de marinheiros. Foram eles quem trouxeram a febre, a ajudante da cozinha me contou. Estão do outro lado da rua, então escondo-me sorrateiramente atrás de uma árvore e fico ali quietinha de cabeça baixa para que minha touca cubra meu rosto. Só terei que esperar até que passem, depois virarei a esquerda, cruzarei duas travessas e entrarei no Bargate.

O correio fica dentro do Bargate. A carruagem sairá à meia-noite, com as cartas, sei disso. Terei bastante tempo. Espio para ver se os marinheiros foram embora, já que não ouço a voz deles.

Então algo terrível acontece. Eles ainda não se foram. Todos estão bebendo às jarras. Por isso pararam de conversar. Outra liteira passa e a tocha que um dos líderes segura logo atrás, lança sua luz no meu rosto, fazendo-me piscar. Ouço um grito, um tipo de regozijo do outro lado da rua.

—Olhem o que estou vendo! – grita um.

—Uma bela mocinha – grita o outro. Ele me parece muito bêbado.

—Venha, menina linda. Irá se divertir conosco.

O marinheiro coloca sua jarra na mesa e começa a atravessar a rua. Encolho-me contra a parede. Meu coração acelera e minha boca fica seca. Abro a boca para gritar, mas não sai nenhum som. As vezes, costumava ter pesadelos iguais a esse, onde lutava para gritar mas não conseguia. A noite está fria, mas sinto o suor descer no meio das costas.

Naquele momento há um tropel. Uma caleça descoberta desce a rua rapidamente, puxada por dois cavalos cinzas. Dois rapazes estão nela. Deduzo, por seus uniformes que são oficiais da marinha.

—Parem – grita um deles. Os cavalos param, derrapando os cascos e rangindo. Por um momento penso que estou completamente perdida, que me arrastarão para dentro da caleça como aconteceu com Clarissa no romance que Jane me emprestou. Será meu fim.

Mas eles não estão olhando para mim.

Estão gritando com raiva, porém não é comigo. Estão ralhando com os marinheiros por beberem na rua, por desonrarem seus uniformes e pedindo que voltem para o navio.

Eu fui a melhor amiga de Jane AustenOnde histórias criam vida. Descubra agora