capítulo único

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Os raios de sol brilhavam forte naquela manhã, passando por entre os furos da cortina do quarto, tais furos eram de velhice e de algumas histórias, incluindo traças e tropeços no excesso de tecido que chegava ao chão. Entre o vai e vem da cortina, atingiam seu alvo, os olhos de Tina, que os cobria com o sobre lençol da cama.

A jovem suspirou cansada ao abrir os olhos e se deparar com um teto encardido com a mesma lâmpada de laços cor de rosa que ela tanto deseja trocar.

As vezes, ao acordar ela deixava os olhos fechados com bastante força na esperança de que, ao abri-los, ela estaria em uma floresta com cheiro de jasmim e iluminada pelas flores, sozinha, sem nada além de seu pijama, cobertas e a chance de explorar uma nova vida.

Ou então estivesse em um castelo, suas roupas fossem de seda, ela teria ainda uma confidente que trabalharia para si que entraria no quarto, abriria as cortinas e daria bom dia dizendo-lhe os planos do dia e o que havia para o café da manhã.

Desejava estar em um palácio de algodão onde não precisasse se preocupar com nada além de flutuar pelo infinito celeste e aproveitar o suave carinho solar equilibrado com uma calma brisa.

Mas não, a moça ainda estava na casa velha da família, a mesma casa onde deitou-se para dormir na noite anterior, com o mesmo teto que era para ser branco e a mesma falta de luz natural que não permitia que ela criasse plantas em seu quarto.

Por de trás da porta ela ouvia murmúrios de seu amado a procura de itens de cozinha perdidos em meio a suas bagunças, ele falava sozinho perguntando-se onde os deixara.

Minutos depois, com o corpo todo dolorido ainda, encheu seus pulmões de ar e se virou, com o intuito de sentar-se, mas acabou caindo da cama e dando de cara com o carpete vermelho empoeirado.

Pedro coçou os olhos, colocando a chaleira sobre o fogão e permitindo que um bocejo chegasse aos seus lábios. Deixou a água ferver dentro do inox e se pôs na frente do balcão para procurar entre as gavetas os saquinhos de erva-cidreira.

Tina estava constantemente mudando o lugar das coisas na cozinha e se livrando alimentos ridiculamente pobres de qualquer benefício a saúde, enquanto ele vinha e fazia questão de bagunçar tudo de novo com as mesmas coisas nada saudáveis e que eram práticas na cabeça dele.

Encontrou o sache no último compartimento de baixo, então pegou as xícaras que costumavam usar e colocou-as em cima da bancada. Uma era verde e a outra laranja.

Na bancada haviam ainda alguns pacotes de biscoitos de gengibre e creme de abacate. Coisas saudáveis, mas não muito atrativas. Dentro da geladeira tinham ovos nas bandejas da porta e um pequeno pote com bacon.

Pegou os ovos e o bacon, os despejou na frigideira e a colocou no fogo sem dificuldades. Enquanto fritavam tirou a chaleira do fogo e derramou o líquido nas xícaras deixando os saquinhos de chá devidamente colocados dentro delas.

Começou a mexer os ovos e assistiu a água mudar de cor conforme os sachês abriam. Esperou que não ficasse tão ruim, afinal. Não deveria ser tão difícil colocar só algumas colheres de açúcar nos chás.

O rapaz estava abaixado em frente ao armário da cozinha procurando por uma tigela para colocar os ovos e o bacon quando começou a ouvir passos na escada. Levantou-se em um salto, batendo a cabeça na porta aberta do guarda-louças.

Quando Tina chegou até a cozinha, o rapaz estava sentado em uma das banquetas em frente ao balcão esfregando a testa no lugar da batida, ela o tocou nas costas e depois o envolveu em um abraço, em seguida se afastou, mas uma das mãos permanecia sobre o ombro de Pedro.

- Bom dia! - Disse ela e se inclinou levemente para beijá-lo. - O que temos para hoje?

- Temos o melhor, como sempre: ovos e bacon.

- De novo? - Reclamou.

- 0 que há de errado com meus ovos e bacon? - Pedro lhe lançou um olhar chocado e sua voz em um tom mais indignado do que ele parecia estar, o que fez com que os dois caíssem no riso segundos depois.

Tina não disse nada, limitou-se a puxar uma banqueta e sentar aguardando a refeição. Por mais que gostasse de implicar com ele, sabia que Rabicho fazia excelentes ovos e bacon - de fato, só a menção das palavras já fazia sua boca salivar.

Tomou um gole do chá que estava no balcão ainda sem açúcar, o adoçou e ficou observando Pedro e sua frigideira mágica criarem a refeição mais perfeita que já havia experimentado.

Quando Rabicho terminou de comer, sentiu o olhar divertido dela em sua direção. Ela e sua maldita xícara de chá, que sempre escondia seu sorriso bobo. Pensou em provocá-lo, mas não valia apena. Além do mais, o relógio na parede da cozinha indicava que deveriam se arrumar para o almoço na casa dos Potter.

Em um piscar de olhos, o brilho do olhar de Pedro se foi, daquele sorriso maravilhoso só lhe restou a memória, seu perfume amadeirado sumiu pelo ar. A dor e o sentimento de o ter perdido a machucava. Ela saiu de cena e ele nem se quer tinha como a procurar.

Agora ele estava muito longe da sua realidade, inalcançável. Porém, Tina era capaz de sentir sua presença, e sabia que esse tempo em que esteve na sua realidade desejada a manteria em pé nos momentos em que mais fosse preciso, pois ele continua sendo seu ponto de conforto.

Em questão de segundos, pode sentir a tristeza por não ter ficado mais tempo ao lado de Pettigrew se esvaindo e dando espaço a um enorme sentimento de gratidão, pois os anos que passara junto dele, mesmo que aqui neste plano horas apenas, Rabicho levara todo o seu lado monocromático para o lixo, junto com o peso em suas costas.

Claro que sentiria falta daqueles olhos azuis que apresentaram a ela o arco-íris. Mas a vida real é exatamente como um arco-íris, surpreendente, as vezes um tanto apagada e calma, em outros momentos com cores vibrantes.

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