32| Dayse

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Levantei da cama assustada. O pesadelo tinha sido tão real, tive que respirar fundo diversas vezes para me acalmar. 

Corri até o mini banheiro e lavei o rosto. Ao sentir a água finalmente acreditei que estava acordada.

Ouço as chaves batendo na fechadura da porta.

— A senhorita tem quinze minutos para estar pronta. — avisa uma criada.

Me aprontei apressada, deixando o coque com fiapos para fora e a saia levemente amassada.

— Para onde vamos? —  pergunto, percebendo o desvio no caminho.

— Para a cozinha. Hoje irá comer por lá, e ajudar a lavar a louça. — disse ela.

Certo. Então esse era o castigo além da solitária.

Chegando na cozinha, vários empregados me olharam. Nem todos tinham cabelo preto e pele pálida, a maioria era loira ou com fios levemente castanhos. A pele manchada de cinzas da fornalha e sujeira do lugar.

— Esta é a senhorita Ayales Taguchi, ela irá cuidar da louça. — Avisou aos demais criados.

Assim que saiu todos voltaram a seus afazeres.

Me deram um pedaço de pão e leite. Foi o suficiente para começar a trabalhar.

Eu precisava elaborar uma maneira de sair daqui. 

Quando estava analisando os papeis da viagem da comitiva, notei que as datas de embarque para a volta a Pandora, estavam diferentes da minha. Deveria ter percebido por lá, que algo estava errado. 

Teria mais ou menos um mês para descobrir como sair daqui, como chegar até eles e como passar por eles sem que me notem.

Além disso, preciso do meu passaporte que provavelmente está com a Madame Monclair.

 Estou trabalhando com hipóteses e possibilidades, o que me leva a crer que todos os criados que passam por mim tem ordens para me vigiar. Se eu tiver que arrancar informações de alguém, terá de ser nas sombras e provavelmente alguém que nem saiba da minha existência.

Caminhei até a dispensa e fui até os fundos, onde ficavam os trabalhadores de carga. Havia uma grande porta, era por onde transportavam os alimentos que chegavam em caminhões e os colocavam nas prateleiras.

A maioria dos trabalhadores aqui era pandorano, por tanto não teria dificuldades em me comunicar.

— Bom dia, — comecei — errr, Eric? —  perguntei lendo o crachá em seu peito.

Era um jovem magro, pele clara, e totalmente sujo de poeira e farinha. Estava visivelmente cansado do trabalho e vestia roupas largas e uma bota suja de lama.

Ele era um dos operários que transportava a carga diretamente dos caminhões até a porta, para que outros viessem buscar e agrupa-las nas prateleiras.

— Sim, o que uma dama faz aqui em baixo?— perguntou, com a voz grossa, porém suave.

A barba por fazer indicava a falta de tempo para si mesmo. Ele claramente não tinha noção de quem eu era, teria notado se visse meu cabelo, que não sou daqui. 

Sem parar, continuou pegando sacos de farinha e colocando da porta para o outro lado.

— Ah, houve um pequeno incidente e como "punição"  vim ajudar na cozinha — conto.

— Algumas moças vem aqui em baixo de vez em quando, provavelmente você é uma daquelas  selvagens — disse ele.

Selvagem?

— O que quer dizer com isso? — pergunto, entrando na conversa.

— São assim que chamam as que saem da linha. Selvagem — repetiu.

— E você vê muitas delas? — prossigo.

— Não, raramente. Para falar verdade fico mais aqui fora, você é a segunda que vejo. O resto apenas ouço falar.

Ótimo.

— Você parece trabalhar muito, o carregamento chega todos os dias? — pergunto, soando desinteressada, porém tentando manter uma "conversa".

— Depende, mas por que quer saber disso? — perguntou, suspeito.

— Terei a semana inteira aqui em baixo, preciso saber como funciona para trabalhar, não? — digo calma e doce.

— Claro. As reposições de grãos são sempre aos domingos, terças e quartas. Líquidos nas sextas e segunda. Secos na quinta e não perecíveis no sábado. Mais alguma coisa que a dama deseja saber? — perguntou um pouco rude. Não era culpa dele, estava roubando seu tempo.

— An, não. Vou olhar a dispensa e voltar para lavar a louça. Tenha um bom dia — desejo.

— Seu pandorano é muito bom. Qual seu nome, moça? — perguntou.

Já estava virada de costas quando fui surpreendida com a pergunta.

— Dayse, sou Dayse — menti.

— Hmm, Dayse. Ouvi dizer que tinha uma estrangeira lá em cima, é verdade? — perguntou.

— Sim... Mas ela partiu hoje cedo — menti de novo. Dessa vez virei para encara-lo.

— É raro estrangeiros por esses lados, mas também qual seria o louco de vir para cá?!

— Pois é — concordei.

— Até mais, Dayse.

— Até.

Fácil, tinha sido fácil arrancar informações dele. Agora precisava me lembrar que atuava como "Dayse" para os criados aqui da dispensa.

Deadly Mirrors - 1° Rascunho - CONCLUÍDAOnde histórias criam vida. Descubra agora