CAPÍTULO 1 - Fundo do poço, dez metros de lixo, daí eu

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Não. Não é possível. Eu leio e releio o e-mail na minha tela, e cada vez, as palavras fazem menos sentido. Eu recebi isso mesmo? Tem certeza que era endereçado para mim? Não acredito que fiquei animada em ver que tinha uma mensagem nova da minha agente quando o conteúdo era ESSE.

 Eu recebi isso mesmo? Tem certeza que era endereçado para mim? Não acredito que fiquei animada em ver que tinha uma mensagem nova da minha agente quando o conteúdo era ESSE

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É isso. Lua Maria Antunes ficará na história como a atriz que não é boa o suficiente para ser garota-propaganda de um supermercado. Quer dizer, modo de falar, né. Porque vou passar bem longe de ficar na história.

Fecho a tampa do notebook com tanta força que ouço passos se aproximando. O apartamento que dividimos é pequeno o bastante para que Felipe ouça o que acontece mesmo eu estando no único ambiente que é só meu. Ele para na porta do quarto e coloca a cabeça pra dentro, sem dizer nada. Mas obviamente quer saber o que aconteceu.

— O comercial. Não consegui — Eu jogo o notebook para o lado e me deito na cama, com as mãos no rosto para conter minha decepção.

— Imaginei — Felipe lamenta enquanto se aproxima e senta perto de mim.

— Claro que você imaginou, era o único teste que eu tive em semanas. E agora não me resta mais nada — respondo, logo me arrependendo do tom grosseiro. Tiro as mãos do rosto e olho para ele. — Desculpa.

— Que isso, amiga — ele acaricia meu braço. — Você tem mais é que ficar braba mesmo. Sinto muito que não deu certo. Mas sabe, tu é boa demais pra um comercial local de nada.

— Pelo jeito é o contrário né, sou boa de menos.

— Que nada. Você está destinada a algo maior. Ninguém contrataria a Olivia Wilde para um comercial do Walmart, sabe?

Solto uma risada alta. Felipe sempre sabe o que dizer, e mencionar uma das minhas atrizes favoritas com certeza ajuda.

Conheci Felipe numa festa aleatória da faculdade, daquelas onde a gente nem sabe como foi parar, assim que me mudei para Curitiba. Vim pra cá por causa do curso de Artes Cênicas, e estava morando de favor na casa de uma tia. Mas precisava sair de lá, ter meu próprio canto e começar a tocar minha vida. Papo vai, papo vem, e o Felipe estava procurando uma colega de quarto. Meu salário como vendedora de loja de shopping mal cobria minha parte, mas decidi que iria morar com ele.

Viramos melhores amigos, daquele tipo quase irritante mesmo, onde um sabe absolutamente tudo da vida do outro. Fomos como irmãos durante a faculdade, até que os dois se formassem, continuassem quebrados e ainda precisando dividir aluguel. Mas, mesmo que pudéssemos morar sozinhos, não sei se iríamos querer.

— Então eu sou a Olivia nesse cenário?

— Sim. Mas não tô dizendo que você se parece com ela, porque isso seria "racismo inverso" — ele faz aspas com a mão, e eu solto uma risada.

Levantando da cama, ando até o canto do quarto e me jogo na cadeira. Encaro o quadro de cortiça à minha frente, cheio de fotos, anotações, ingressos de cinema... e um calendário bem grande no meio.

Tudo que eu não posso sentirOnde histórias criam vida. Descubra agora