Adão, Eva e a Genética

Capítulo Único

Os sinais começaram há alguns meses atrás, os horrores descritos na bíblia foram se concretizando um por um, toda a sociedade fervia em pânico. Aquele era o fim dos tempos, e eu estava presenciando tudo.

Quando tinha 14 anos eu sempre ia para a escola dominical porque era obrigado pela minha mãe super-religiosa. E como toda boa cristã fervorosa, ela me fazia ter que engolir todos os meus questionamentos mais sinceros em relação a existência de Deus com um belo tapa na nuca.

É claro, eu também não era muito fácil de lidar naquela época, e sempre que tinha a oportunidade eu questionava o pastor que lecionava no colégio dominical, o Sr. Protheroe, de forma provocativa, apenas porque achava engraçado o modo como a voz dele subia três oitavas enquanto discutia freneticamente comigo, um mero adolescente. Coisa de criança, sabe?!
E a medida que eu comecei a ter aulas sobre ciência, biologia e genética no colégio, meus argumentos começaram a ficar um pouco mais sólidos. O pastor fugia de mim como o diabo fugia da cruz, mas não havia muito o que fazer, levando em consideração que ele era meu vizinho, bem, é até hoje.

Em uma manhã chuvosa de domingo, enquanto ouvia o Sr. Protheroe lecionar, eu me peguei divagando sobre uma teoria... Você deve conhecer, aquela sobre o povoamento da terra por Adão e Eva e o possível incesto intrínseco a ela.

E se... ─ Eu me peguei pensando. ─ Adão e Eva fossem seres celestiais, que voavam pelo jardim do Éden como os beija-flores. E se eles falavam com os animais e plantas ao seu redor? E se eles fossem a cópia exata de Deus?
E se, agora, nós estamos tão doentes e fracos que nem ao menos possuímos semelhança com nosso criador?
E se... o que acontece com os seres humanos a cada 400.000 anos não é uma evolução e sim, uma regressão?

Não.

Porque se for isso... Nós, todos nós. E todos os que vieram depois, fazem parte da geração defeituosa, fraca e doente que surgiu depois do incesto. Nós somos o último estágio da corrupção.

O Sr. Protheroe me viu distante, imerso em meus pensamentos e questionou o motivo da minha desatenção, eu expliquei para ele a minha teoria. "Genética básica" eu afirmei. Ele me olhou horrorizado e após um longo sermão, disse algo como "Deus tenha piedade da sua alma, garoto". Naquele mesmo dia o Sr. Protheroe convocou minha mãe para uma conversa, eu podia imaginar o conteúdo. Quando ela chegou em casa eu levei uma surra tão forte que quebrei meu braço enquanto me jogava no chão implorando por misericórdia. Ela se manteve implacável. E agora... Em minha fase adulta, eu ainda sinto a dor.

Sou expulso de minhas lembranças quando ouço um estrondo do lado de fora, era quase como se uma montanha tivesse sido derrubada ao lado de minha casa, eu saí para o jardim, procurando de onde teria vindo o som e o que tinha acontecido daquela vez. Então me deparo com centenas de pessoas na rua que vieram fazer o mesmo.

O céu parecia ter se rompido em tons de laranja e rosa, senti toda a terra ficar em silêncio por alguns minutos. Todos encaramos no céu a figura majestosa do que parecia ser um anjo em uma carruagem de fogo que era guiada por cavalos brancos e alados, era majestoso e lindo. O anjo se levantou, tocou sua trombeta e todos na terra ficaram paralisados pelo temor. Alguns adoravam e louvavam, outros choravam silenciosamente. Mas tudo cessou quando uma mulher foi corajosa o suficiente, ergueu sua voz o mais alto que pode e gritou:

─ A onde ele está? Ele virá arrebatar seus filhos?

O anjo sorriu com desdém.

─ Filhos? ─ Repetiu ele com escárnio. - E'le não vos conhece, mal-feitos. Nem ao menos se parecem com E'le!

O anjo fez soar pela última vez sua trombeta, como que para anunciar a última praga, e se foi.
Do outro lado da rua e vejo o Sr. Protheroe com um olhar de incredulidade e horror para o céu.

"Genética Básica!" ─ Eu grito.

E naquele momento eu vi o Sr. Protheroe recitar uma série de palavrões horrendos contra o céu que eu não fazia ideia da existência, ele amaldiçoou Deus e suas criações, o velho homem se jogou no chão e finalmente chorou como uma criança.