Amizade e objetificação

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         Ainda era o dia dezoito de novembro de 2001. Nesse instante, a mãe banhava a sua filha enquanto o Renato trocava a fralda de Carolina no quarto do casal. O relógio marcava 18:20:
"Mãe." Disse Miriam enquanto estava se higienizando na banheira.
        "Fale, filhinha." Gabriela falou carinhosamente. "O que vocês fizeram no Ministério?"
        "Nós assistimos a alguns vídeos sobre o Antigo Testamento, fizemos alguns desenhos com giz de cera." Disse Miriam pausadamente enquanto tentava se recordar do que havia feito durante alguns minutos.
       "Você gostou de ter ido?" Perguntou Gabriela carinhosamente. "Ou você iria preferir ter ficado em casa assistindo os seus programas?"
        "Não sei... Eu gostei bastante de ter ido. Fiz uma amizade hoje!" Disse Miriam com um sorriso no rosto enquanto passava sabão em suas pernas e braços conforme a mãe sugeria sempre.
       "Ah, é?" Perguntou Gabriela enquanto demonstrava interesse. "É menino ou menina?"
       "Menina. O nome dela é Flávia." Disse com um sorriso no rosto.
       "E como ela é?" Perguntou Gabriela entusiasmada enquanto retirava a tampa do ralo da banheira para encher de água novamente.
       "Ela é bonita. Eu gostaria de ser que nem ela." Disse Miriam cabisbaixa.
       "Por que?" Perguntou Gabriela preocupada. "Ela deve ser tão bonita quanto você."
        "Mas ela tem uma beleza diferente. Eu só sou normal." Falou Miriam. "Eu nunca vi nenhuma menina com aquele tipo de beleza. Acho que ninguém também."
      "Do que você está falando, filha?" Perguntou Gabriela ao fechar a torneira depois de enxaguar a filha.
       "Sobre... Mim... Eu..." Gaguejou Miriam enquanto demonstrava-se nervosa.
        "Há algo te pressionando?" Gabriela falou ao sair de perto da filha e ir buscar uma toalha para secar a garotinha.
     "O que um menino disse hoje." Disse Miriam rapidamente. Ela estava com muita vergonha de falar sobre isso.
      "O que ele te falou?" Perguntou Gabriela assustada.
      "Ele falou que ela é mais bonita do que eu." Disse Miriam coagida. "Na hora que fomos brincar de mãe e filho... Ele seria o pai..."
       "E o que tem?" Então Gabriela entregou as roupas infantis para Miriam vestir sozinha.
       "Ele disse que não queria ser o pai de mentirinha se eu fosse a mãe." Disse Miriam baixinho. "Eu sei que deveria ter levado isso melhor, mas fiquei muito triste. Me senti pior do que ela." Disse Miriam enquanto chorava.
       "Miriam..." Então Gabriela abraçou a sua filhinha. "A beleza é relativa. Ele pode não ter te acho bonita, mas outra pessoa vai achar." Acrescentou com um sorriso. "As pessoas vão além disso. Não se importe com esse tipo de coisa."
        "Eu estou tentando não me importar..." Disse Miriam enquanto enxugava os olhos depois de chorar.
         "Filha... Você está vermelha! Esse garoto é realmente importante pra você?" Perguntou Gabriela preocupada e, ao mesmo tempo, a mulher tentava consolar a filha de oito anos.
         "Não... Mas eu tenho medo de que ter uma amiga melhor do que eu acabe chamando mais atenção..." Disse Miriam enquanto olhava para o chão. Ela estava com vergonha de falar sobre o ocorrido.
        "Filha. A nossa amizade com alguém não tem a ver com o que uma pessoa sabe ou não fazer, se ela é bonita ou feia, inteligente ou burra. A amizade é uma relação de companheirismo e amor. Um amigo não trata o outro mal, não o bate, não inveja o que você conquista!" Disse Gabriela serenamente enquanto acariciava as bochechas de Miriam. "Se um dia alguém fizer uma dessas coisas, essa pessoa não é seu amigo e não te quer bem." Então ela beija a testa de Miriam.
         "Tudo bem, mamãe." Respondeu Miriam envergonhada.
        "A propósito... Poderia dizer como essa menina bonita é?" Perguntou Gabriela curiosa.
        "Ela tem um cabelo bem liso escorrido e castanho, pele não tão clara mas nem tão escura, magra e de olhos azuis." Disse Miriam enquanto parecia admirada. "Ela deveria ser modelo..." Acrescentou com um olhar triste. Miriam parecia estar com inveja de Flávia.
       "Por que essa carinha?" Perguntou Gabriela enquanto penteava os cabelos de Miriam.
       "Porque eu queria ser modelo também, mas acho que nunca vou ser..." Disse Miriam com um olhar distante.
       "Que pessimismo para uma criança! Vamos nos olhar no espelho agora?" Perguntou Gabriela entusiasmada. Em seguida, ela puxou a filha primogênita com a mão, a arrastou para o quarto que ela dormia, abriu a porta do closet e a apontou para frente de um espelho.
         "Por que viemos até aqui?" Perguntou Miriam ao franzir as sobrancelhas.
     "Viemos aqui para que você visse o quão bonita você é." Respondeu a mãe coruja. "Muitas garotas gostariam de ser assim, isso não é saudável para elas, nenhuma comparação faz bem. Todas as pessoas são únicas. A beleza de cada um é insubstituível." Então Gabriela agachou para ficar mais próxima de Miriam.
     "Obrigada." Disse Miriam enquanto chorava de felicidade.
      "Não se sinta insegura. Se ele falar mais alguma gracinha, dê um chute, um soco ou uma mordida. Depois fale com a mamãe caso dê problema. Não aceite provocações. Ele não pode fazer isso só porque está na igreja." Disse Gabriela com um tom compreensivo.
       "Meninas!" Gritou Renato. Ele estava no andar de baixo da casa.    "Que banho mais demorado! Deu para que eu pedisse uma pizza para nós e para que ela chegasse!" Acrescentou com um tom alegre. Ele segurava uma caixa de pizza com as duas mãos.
"Vamos descer." Disse Gabriela.
      A primeira semana terminou como qualquer outra, porém, Miriam foi matriculada, no final do ano, em uma escola nova, o que a confundiu um pouco. No dia vinte e seis de novembro de 200, ela precisou se adaptar a um turno diferente: na instituição de ensino anterior a garota estudava no turno da tarde, no entanto, ela iria precisar se acostumar com o turno da manhã por alguns anos. E, era comum que ela acordasse às 6:40 da manhã:
        "Bom dia, menininha." Disse ao acender a luz do quarto. "Acho que está na hora, não?" Perguntou com um sorriso no rosto. "Vamos tomar banho?"
         "Mas já? Poderia me deixar dormir um pouco mais?" Disse Miriam sonolenta enquanto escondia o rosto com o braço, pois a luz a incomodava.
         "Eu já deixei bastante, Mimi. Você não pode chegar atrasada." Disse Gabriela com uma voz serena. "Te espero no banho. Não me faça voltar aqui de novo." Ordenou.
         "Sim, senhora." Respondeu Miriam ao sentar na cama e depois colocar os pés no chão.
        As duas foram tomar banho para se arrumar para o colégio. Enquanto Miriam passava o sabonete pelo seu corpo, Gabriela estava pegando o uniforme dentro do closet.
         "Eu vou vestir saia? Que legal!" Comemorou Miriam. "Vou ficar mais feminina."
         Então Gabriela começou a rir. "Você não precisa vestir saia ou vestido para ser feminina, filha. Vamos, melhor se apressar."
        Gabriela aprontou a menina e depois desceu às escadas. Ela estava indo em direção a cozinha preparar o lanche que Miriam iria colocar dentro de sua merendeira. Feito isso, a mulher colocou um copo rosa e de plástico que continha dentro café com leite: era o que Miriam ingeria pela manhã.
          "Tudo certinho?" Perguntou Gabriela enquanto bocejava.
          "A senhora ainda está de camisola?" Perguntou Miriam enquanto franzia as sobrancelhas. "Quem vai me levar?"
          "O papai vai levar você!" Disse Renato empolgado enquanto descia as escadas de madeira da casa.  Ele estava vestindo uma blusa polo de cor branca, uma bermuda verde e calçava um par de chinelos azuis. "Nós vamos de carro, querida." Falou com um sorriso.
          Os dois se dirigiram ao carro que estava na garagem da casa e partiram em direção ao colégio. Chegando na porta da instituição, os dois desceram de mãos dadas. Era um colégio grande, de muros gradeados e repletos de plantas( era um muro vivo). Os dois entraram dentro do colégio, que possuía um pátio com uma enorme e bem movimentada entrada.
          "Olá." Disse uma moça jovem, de cabelos cacheados e longos, pele branca, olhos castanhos, magra e bem baixinha. "Você deve ser a aluna Miriam Leonard, certo?" Disse com um sorriso. Ela vestia uma calça jeans clara, uma blusa marrom de alças finas e calçava um par de sapatilhas. "Eu me chamo Márcia, sou a professora do 3° ano do Fundamental. É uma pena que você chegou tão tarde na escola, nós não vamos ser tão amigas assim." Disse a mulher enquanto fazia um biquinho triste.
           "Tudo bem..." Respondeu a menina envergonhada.
            "Bem... Acho que está na hora de você ir, não?" Renato disse com um sorriso no rosto enquanto olhava para Miriam.
           "Sim..." Miriam olhava para o chão enquanto tentava disfarçar o seu nervosismo.
           "Pode acompanhar a tia." Então Renato soltou a mão de Miriam.
          "Ah... Ótimo. Vou te mostrar alguns coleguinhas que chegaram cedo que nem você. Licença, papai." Disse Márcia enquanto dava a mão para a menininha e a apresentava para os coleguinhas.
          Em seguida, Renato dirigiu o carro para ir para casa. Naquela hora, o dia dele havia começado mais cedo, mas ele estava feliz, pois tinha muitos serviços acumulados.
           Ao colocar a chave na porta de casa, ele é cumprimentado por Gabriela. Ela estava vestindo uma calça jeans azul escura, uma blusa ciganinha branca e calçava um par de  sapatilhas.
           "Oi, meu amor. Está de saída?" Perguntou Renato ao olhar a esposa se baixo para cima.
          "Estou sim." Respondeu serenamente.
           "E você ia deixar a Carol sozinha?" Renato perguntou com um tom de reprovação.
           "Não. Assim que você saiu eu a deixei com a minha mãe." Gabriela disse serenamente. "Acho que a nossa filha mais velha precisa fazer alguma atividade física."
           "Por que você acha isso?" Perguntou Renato enquanto franzia as sobrancelhas com um tom de desconfiança. "Ela está em um ótimo peso... Além disso... Não podemos pagar mais nada!" Disse enquanto gaguejava.
          "Pare de ser mesquinho. Você não pode pagar mais nada, eu posso." Disse Gabriela sarcasticamente. "Eu vou, mas volto já."
           "Tudo bem... Faça o que você quiser." Renato falou de maneira omissa. Ele sempre acabava fazendo o que a sua esposa queria.
          Quando o relógio marcou 10:30, naquele mesmo dia, Gabriela havia chegado com a sua bebê recém nascida dentro de um carrinho. Além disso, ela estava com alguns panfletos de academias.
          "Querido, cheguei." Disse Gabriela enquanto puxava o carrinho amarelo de bebê.
           "Olá, meu doce!" Disse Renato empolgado. "Ganhei uma gorjeta gorda de um cliente hoje!" Falou com um sorriso. "Poderei comprar o presente que a Miriam pediu de natal!"
          "Que ótimo! Mas não faça muito barulho... Minha mãe disse que foi um sacrifício colocar a Carolina para dormir." Sussurrou Gabriela. "Estou feliz por você." Gabriela revirou os olhos para cima. No fundo, ela estava totalmente insatisfeita em ter um marido que recebia menos dinheiro do que ela.
           "Conseguiu alguma atividade física para a Mimi?" Perguntou Renato aos sussurros.
          "Sim. Vou colocá-la no judô." Respondeu Gabriela enquanto sussurrava. "Vai ser bom, porque assim ela não vai deixar ninguém tirar onda com a cara dela."
         Em seguida, o casal riu baixinho para não acordar a recém nascida. Depois disso, Gabriela subiu as escadas com a Carolina nos braços, a colocou em cima de um pano fininho sob a cama de casal e começou a preparar um banho para a recém nascida. Enquanto o marido dela estava no escritório trabalhando.
          A bebê Carolina começou a chorar, mas quando tomou um banho e foi amamentada, parou. A senhora Gabriela a colocou cuidadosamente no berço, este ficava ao lado da cama de casal. Depois disso, Gabriela tomou um banho quente no chuveiro de seu banheiro. Ela ainda estava sob licença maternidade, pois havia dado à luz há um mês.
         Quando o relógio marcou 12:30, Renato foi em direção a calçada de sua casa, local em que estacionou o carro, entrou dentro do automóvel e dirigiu até a escola em que a sua filha estava matriculada agora. Ele gostou muito da instituição e pretendia renovar a matrícula da garota para os anos seguintes.
         Ele pôde entrar dentro do pátio e viu que cada turma estava sob o controle de seus respectivos mestres. Além disso, haviam vários inspetores.
         "Olá, senhor Renato." Disse Márcia com um sorriso. "O senhor se atrasou um pouco. Somente Miriam e Alberto restaram aqui."
          "As outras crianças já foram embora?" Perguntou Renato assustado. "Como eu sou um irresponsável!" Então ele se deu um leve tapa na testa.
          "Ah, isso acontece. Porém, não se esqueça que o horário de saída é 12:00." Ratificou Márcia. Depois disso, ela soltou a mão de Miriam e a entregou para o seu responsável.
         "Positivo." Então ele acompanhou Miriam de mãos dadas e a colocou no cadeirão do carro. Ele percebeu que a menina estava cabisbaixa, então perguntou: "Como foi o seu dia na escola?"
           "Foi ruim. A tia me deu um bilhete na agenda, a mamãe não vai gostar disso." Disse Miriam com um olhar triste. "Eu dando muito trabalho para a mamãe... Eu não sou mais um bebê."
           "Bilhetinho? Por que ela fez isso?" Perguntou Renato curioso enquanto a olhava pelo espelho do carro.
           "Eu bati no Alberto hoje." Respondeu Miriam com um sorriso. "Eu não me arrependo disso, mas a tia me forçou a pedir desculpas e a abraçar o menino." Disse Miriam com uma voz serena.
           "Você bateu nele por qual motivo?" Perguntou Renato seriamente.
          "Porque ele não quis brincar comigo de mãe e filho. Ele me achou feia e quis ficar com a Flavinha." Disse Miriam com a cara emburrada.
         "Ainda sobre isso, Miriam?" Então Renato revirou os olhos. "Esqueça o que esse garoto disse, ?"
          "A mamãe vai me achar uma boba..."
          "Claro que vai." Renato interrompeu os murmúrios de Miriam. "A mamãe só tem um bebê para cuidar, não dois. Você já é uma mocinha e precisa se comportar." 
          "Desculpe." Miriam disse baixinho. Ela estava com medo.
          Em seguida, os dois chegaram a casa. A senhora Gabriela estava terminado de preparar o almoço na cozinha. "Boa tarde, meus queridos!" Disse com um sorriso.
          "Olá, amor." Renato cumprimentou sua esposa com um beijo na testa. "Acho que a Miriam tem algo para te falar."
          "Ma-mãe..." Miriam gaguejou.
         "O que houve? Aconteceu algo? Se ocorreu alguma coisa, me conte!" Disse Gabriela ansiosa.
         "Acalme-se, querida, não foi nada demais."
           "Eu levei bilhetinho na agenda." Disse Miriam envergonhada.
          "No seu primeiro dia?" Disse Gabriela enfurecida. "O que você fez na escola, Miriam? Me mostre logo isso."
        Então Miriam tirou a agenda de dentro de sua mochila estampada pela personagem Barbie e a entregou nas mãos de Gabriela. A mulher leu atentamente o bilhetinho, mas ele não possuía nada demais. Em seguida, exigiu que a filha a explicasse o porquê daquilo.
          "Foi só por causa disso? Você ainda não se esqueceu?" Gabriela disse enquanto fazia pouco caso. "Eu vou assinar isso aqui, espero que não se repita. O que eu te disse ontem só vale se for na hora... Aposto que o garoto já até esqueceu do que disse." Gabriela aconselhou, depois fechou a agenda e começou a servir o almoço.
            O final do ano foi se aproximando. Miriam estudou por quase um mês esse ano letivo, mas iria permanecer na escola para as séries seguintes.
           
      

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⏰ Última atualização: Nov 05, 2020 ⏰

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