Prólogo

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"Viver será uma grande e incrível aventura" (J.M. Barrie, Peter Pan)

Fevereiro, 1885

Toda porta tem dois lados e, no caso daquela, apenas uma saída: ou revelaria algo que faria com que o homem por quem era apaixonada a odiasse para sempre, ou teria que lidar com a mulher que se despia, sem qualquer pudor, diante de si.

Como se não bastasse a difícil — quase impossível — escolha, ainda tinha pouco tempo. A cortesã já havia se livrado do vestido e começava a soltar as amarras do espartilho enquanto mirava com agrado "aquele rapazote", cujos cabelos estavam escondidos debaixo de uma boina verde e cujo corpo se perdia nos confins das roupas masculinas que não haviam sido feitas para ele.

Abraçando a si mesmo, "ele" deveria parecer alguma espécie de presa — e, pela maneira com a qual como a mulher lambia os próprios lábios, talvez fosse exatamente disso que ela gostasse.

Próximo à única porta do quarto, "ele" poderia sair correndo, se não escutasse as vozes altas dos rapazes no corredor, aguardando que a cortesã fizesse a sua parte. Ah, sim, porque todos achavam que ela era ele — ou, melhor dizendo, que Laura Almeida era o seu primo Lauro Almeida. E nNão poderiam esperar outra coisa acontecendo detrás daquela porta que não fosse um homem tendo uma noite de prazer. Laura, porém, não estava tendo uma noite prazerosa e, muito menos, era um homem — o que a cortesã poderia vir a descobrir, em breve, se não pensasse em alguma maneira de sair dali, sem estragar o seu disfarce.

O quarto não era muito grande. Laura não tinha para onde fugir que não fosse para a cama repleta de almofadas atiradas de qualquer jeito sobre o esparramado dos lençóis usados. Todo o seu corpo estremeceu. Ali não lhe parecia uma "boa ideia".

Foi quando avistou, por entre o balançar das cortinas, uma sacada. Sabia estarem no segundo andar de um solar e que uma queda a faria quebrar, no mínimo, um pé ou um braço — o que, mais uma vez, poderia levar a descoberta da sua verdadeira identidade e, portanto, estava fora de questão.

O coração apertou. O que iria fazer? O tempo não parava e as roupas da cortesã estavam acabando. A mulher havia conseguido se livrar do espartilho numa presteza que deixou a jovem surpresa, e já se desfazia de uma das meias. Demoraria menos do que o esperado para ficar completamente nua. Para piorar, não usava calçolas por debaixo do saiote — o que ficou evidente quando apoiou o pé na cama, e o que deixou Laura constrangida.

De costas contra uma parede, sem tirar os olhos do rosto da meretriz, como se isso a fosse impedir de ser atacada por aquele "leão sedento por seu sangue virginal", Laura gaguejou que não estava se sentindo bem. Ao perceber que suas poucas palavras pararam a retirada da segunda meia, ela pigarreou e puxou o seu tom masculino:

— Acredito que bebi um pouco além do que deveria...

Não mais do que duas piscadelas — como se processando o que ouvia — e a cortesã abriu um sorriso de canto. Delicadamente, pegou a sua mão e "o" encaminhou para o meio do quarto:

— Ah, tadinho! Sente-se um pouco.

Sentar-me? Mas não tem... Assim que Laura sentiu as panturrilhas baterem no colchão, foi empurrada sobre a cama. Não conseguiu nem segurar a boina sobre os cabelos, caindo esparramada na cama. Ainda tentando se recompor e entender o que acontecia, um peso sobre si a afundou contra o estrado. Laura tentou mexer as pernas. Não podia. Eram esmagadas pelo peso da mulher que havia conseguido montá-la.

Na pressa do movimento, os peitos da sua captora fugiram da chemise e a jovem não tinha para onde olhar. Qual fosse a direção, a sua visão era tomada pelas partes avantajadas da meretriz, que passava as mãos por seu corpo, à caça de um botão para abrir o colete e a camisa.

O Beijo da Raposa (degustação primeiras páginas)Onde histórias criam vida. Descubra agora