Quis ser o ideal...

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        Ser idealista era um fardo pesado que carregava, o professor José João da Silva, ou Professor Zé, como o chamávamos, dentre outros tantos "nomes". E ser idealista é, muitas vezes (na maior parte delas), ser utópico. Ah, as utopias! As benditas malditas utopias! Tão belas e traiçoeiras, quanto são belas e traiçoeiras algumas serpentes. E digo isso com a propriedade de quem acompanhou a trajetória do saudoso professor Zé. Acreditar que, na escola, o novo, o ideal, serão acolhidos, é, no mínimo, ingenuidade. É uma triste constatação, a mim, como será ao leitor, que as metodologias inovadoras são apenas parte da discussão acadêmica, escondida atrás das paredes das universidades. É bonito citar Vygotsky, Pestalozzi e até Paulo Freire. O problema é que a lousa e as metodologias ultrapassadas continuam lá, ativas, e a escola continua sendo um moedor de criatividade. Quando se fala em tecnologia, pensa-se, no máximo, no data show, e usam-no de forma arcaica, como usam a lousa.

         O professor Zé embarcou numa aventura (ou desventura?) interessante, mas que, em certo ponto, tornou-se um drama. Noutros pontos, virou comédia! Explico. Recém graduado em Letras e já ingressando no Mestrado em Educação, o jovem rapaz, então com vinte e dois anos, foi à procura de trabalho em alguma escola. Não havia nenhum um concurso público aberto. Os seletivos tinham-se fechado. Foi, então, buscar a sonhada vaga pelas escolas privadas, deixando de lado, por um momento, o sonho de trabalhar na educação pública. Naquele momento, valia, antes, o salário, a fim de sobreviver.

        A busca dele, por sorte, não se estendeu por muito tempo. Aliás, não por sorte, apenas, mas competência. Digo isso porque ele tinha muito boas avaliações e era querido pelos professores da graduação, e, doravante, do mestrado. Tinha, pois, várias recomendações, que o levaram a ocupar uma vaga na Escola Nota Mil, de que falaremos mais, depois.

        Permita-me ambientar o(a) leitor(a): a história não é antiga, tampouco nova. Apenas advirto que, como em todo tempo, se passou em meio a todo o caos político e social que o Brasil nunca deixou de lado. Não há paz nem debate, mas embate – todos se acham na capacidade de exercer, com as próprias mãos, o que julgam ser justo, com ou sem base alguma. As injustiças eram rotineiras, como o são, também, agora. O circo, naquele tempo, como nos de hoje, estava aberto, em nível nacional. Qual era o show? O de horrores!

        Tornando à narrativa da história do jovem professor. Começaria a trabalhar com o que mais ama: a educação! (Embora num ambiente à contragosto, uma escola privada, o que contraria seus ideais de educação igualitária, com oportunidades a todos, onde a escola não é um comércio, como costuma acontecer em muitas dessas escolas). Ele dizia, lembro-me bem, - Ensinar é o combustível da minha vida! Sendo aquilo que me move, é, para mim, o sentido da (minha) vida! Muito embora esse sentido verdadeiro se encontrasse no acesso global à educação, e não nesse sistema comercial, onde quem tem acesso ao ensino de qualidade é quem pode pagar. - Ô, indecência em forma de sistema! Dizia-nos reiteradas vezes, durante suas formidáveis lições. Ele tinha o dom de ser revoltado e abnegado, na medida certa. Digo, fazia o que estava ao alcance, mesmo sabendo que não era o ideal. Foram de grande valor, suas aulas. Seus ensinamentos ecoam na alma daqueles de nós que sob sua regência estivemos, enquanto educandos.

        Você pode tirar conclusões próprias sobre a natureza idealista do jovem Zé. É admirável, suponho pensais. O mundo, no entanto, está longe desse ou outros ideais. Na verdade, o mundo, em si mesmo, gira desatinado, à busca de sabe-se lá o que. Junto ao mundo, as pessoas, ou, pelo menos, boa parte delas. Carregar um ideal é sofrer, na grande parte das vezes. Zé, contudo, não estava sofrendo – até agora. O que importava para ele, no momento, daquele tempo de que vos falo, eram as suas futuras aulas, fossem de gramática ou literatura, língua inglesa ou portuguesa, mesmo numa escola privada, porque entendia que podia ser a voz da revolução, ainda que em um ambiente longe do ideal (bendito Zé! Entenderás, mais à frente, minha quase devoção ao professor). Não posso deixar de recordar um estupendo ensinamento que nos dera, quando, desmotivados, pretendíamos ao sistema curvar-nos. Ele, serenamente, do jeito que era só seu, advertiu-nos: - Garotas e garotos! Há algo de extraordinário nas coisas ordinárias da vida, como há revolução em meio ao caos de um sistema falido. Digo, as pequenas revoluções a que te dedicares, serão, juntas, uma grande mudança!

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⏰ Última atualização: Nov 05, 2020 ⏰

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