Metonímia

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E eu que sem tempo para nada decidi me debruçar num contozinho bem suave para terminar a tarde...

Sob o escuro do cômodo recostei a minha cabeça sobre a banheira. Suspirei devagar, liberando ar pelos meus lábios e outra vez conferi ao longe o telefone depositado ao lado do recipiente em que eu estava quase completamente imersa.

Duas e quinze da manhã, o celular me respondeu no profundo silêncio que vinha com a noite que entrava gélida pelo basculante. Nessa altura, tenho em meu corpo uma coleção de arrepios que atendem por um só nome que não, não é o do meu namorado que repousa placidamente ao lado de fora desse lugar.

Cada pelo ouriçado que tomo com a ponta dos dedos de minha mão esquerda atende por um vocativo de seis letras que resguarda em suas sílabas sedução e sensualidade.

— Bianca — Disse sorrindo de lado antes de me deixar acessar todos os pontos e contrapontos que me trouxeram aquele íntimo segredo de sexta-feira.

Há certa de três meses vi a notificação que deu conta de informar-me que a partir daquele dia teria a mulher de olhos castanhos entre meus milhões de seguidores. Desde aí estive inquieta e, mesmo não tendo razão para isso, mantive a impressão daquele "tu" no recôndito mais obscuro de mim.

Não demorou para que começasse as primeiras interações. Uma curtida, um comentário e por fim a resposta a algo que postei. Engatamos uma conversa depois que ela acentuou uma feliz coincidência que nos unia como donas de vários pijamas iguais.

Naquele instante não pude evitar pensar na forma como aquela mulher ia para cama. Desta feita, nos restou uma série de conversas amenas até que num dia, alcoolizada, ela me mandou uma mensagem absolutamente sugestiva acerca de um excerto de uma entrevista dada por mim para um canal de TV.

O seu sussurro é delicado como a asa de uma borboleta roçando no ombro, mas é também erótico como uma mão recorrendo um corpo nu...

E não conseguimos nunca mais diminuir o tom. Não consigo definir o que se fez de mim depois da declaração implícita de seu desejo, porém o fato era pungente e claro: A mulher era objeto de meu interesse. E, independente das minhas inclinações, sempre fui honesta sobre o que eu queria e como queria.

Nesse entremeio há Caon, mas não trata-se de uma parte que eu gostaria de lembrar antes ou hoje, não quando cada minuto que passa estou mais próxima de ouvir sua voz de forma tão mais demorada.

Ela é do Rio, eu sou de Goiânia e a possibilidade de que isso se torne muito mais do que já temos é quase nada. E tudo bem, tudo bem porque entendi que o que demanda o corpo não precisa limitar-se a algo que disseram que deveria existir entre duas que pretendem ter diversão.

E só isso buscamos.

Com a mão fora da banheira tomei entre meus dedos outro objeto assentado ao meu alcance. Dessa vez, detive por um momento uma negra cartela de longos cilindros brancos que pacientemente vou abrindo como posso em um movimento de pinça ansioso.

— Insignia — Li testando na ponta da língua as palavras como acabei por fazer com o cigarro. Não se enganem, não sou adepta ao fumo, mas tal qual um vinho combina com um jantar de intenções e promessas eróticas certamente um trago viria bem quando o assunto em questão seria ouvir Bianca.

Me explico.

Volátil como a fumaça saída da ponta com gosto de tabaco Bianca Andrade é impossível de captar. Enigmática em desejos e aberta em seus sorrisos me pareceu desde o princípio um espetáculo de única atriz que nunca se revelaria totalmente a ninguém. Bianca é tão tão e propriamente si que reter sua essência não seria certo, seria uma quebra na linha da lógica.

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