Capítulo único.

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A lâmina prateada atravessou meu peito inesperadamente enquanto eu repousava minha cabeça em seus ombros cansados. Uma dor aguda atingiu-me de maneira tão intensa que meus nervos não conseguiam captar todas as sensações. Eu estava impedida de respirar, incapaz de emitir qualquer som a pedido de socorro além de grunhidos.

"O que?"

Minha cabeça latejava, e eu estava prestes a desabar ao chão, enojada pelo rastro vermelho de sangue que banhava o tecido delicado do meu vestido. O Raphael desaparecera do meu campo de vista, e eu imaginava que ele havia ido procurar por ajuda. O ambiente ao redor me parecia impreciso e, naquele momento eu fechei meus olhos brevemente, recordando-me de vários momentos da minha vida em questão de segundos.

Uma memória distante, mas eu a via com nitidez, estendendo seus braços em minha direção para me pegar no colo. O sorriso da minha mãe brilhava mais do que as estrelas que decoravam o teto do quarto cor de rosa.

Em seguida, sobre a sombra de uma árvore repleta de flores prestes a desabrochar, eu folheava as páginas de um livro de literatura infantil. Solitária, perdida em meu próprio mundo das fantasias, quando uma garota risonha sentou-se do meu lado para perturbar-me.

"O que está lendo ela?" - Ela perguntou "Vamos brincar!"  - Concluiu antes que eu a respondesse, me puxando pelo braço para apresentar-me as demais meninas do orfanato que eu nunca havia conversado.

"Melanie...Eu vou sentir sua falta".

Lembrei-me de todas as decepções amorosas que eu tivera na adolescência, e recusava pensar que talvez Raphael tivesse sido uma delas...Talvez eu tivesse sido ingênua, ou talvez a culpa fosse minha. Eu não fui capaz de salva-lo do precipício.

Foi em um feriado, quando conheci um garoto adorável em uma visita ao museu. Ele me dissera que estava em uma excursão escolar enquanto eu passeava com alguns colegas e freiras do orfanato. Era meu sonho poder estudar em um colégio de verdade, e apesar de Sweet Amoris ser uma uma escola tão próxima, éramos educados na própria instituição do abrigo. O garoto parecia confuso, olhando de um lado para o outro a procura de algo, quando eu lhe ofereci ajuda, e então passamos a tarde procurando pelo seu bloco de notas.

"Qual era o nome dele mesmo? Lysandre...Ele era um amor, nunca mais poderei encontra-lo de novo."

Minha vida miserável tivera sido em vão, e quando eu finalmente havia encontrado algum resquício de felicidade, ela fora brutalmente interrompida, mas eu não era capaz de odiar aquele que um dia me protegeu com todas as forças, aquele que prometeu ser meu guardião e me acolheu em seus braços me libertando de meus medos.  De forma ou outra, ele cumpriu com sua palavra, e mesmo suspenso sob o  abismo, colocou-me a frente de suas próprias necessidades, até que em certo momento, ambos de nós caímos juntos quando ele não pode mais resistir.

"Oh Raphael...Se pudéssemos ter outra chance, talvez eu consiga lhe fazer sorrir novamente."

Ele retirou rapidamente sua espada cravada em meu corpo e afastou-me gentilmente repousando-me sobre o chão frio. Nossos rostos se encontravam lado a lado, e meus olhos assustados encaravam os seus. Olhos frívolos e inexpressivos que eu jamais havia visto antes, apesar do vazio habitual que sempre estivera presente neles devido sua deficiência, eu sabia que o Raphael conseguia enxergar o que quisesse em meu coração, e quando nos olhávamos a fundo, eu podia sentir todo o seu desejo e amor por mim através de suas íris acinzentadas.

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