Daerü

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 "Vamos encontrá-lo senhor O'Connel", "Acharemos o culpado senhor O'Connel" diziam eles, mas já se passaram 10 anos, e nunca acharam o maldito que matou meu pequeno John. Meu garotinho tinha apenas 8 anos quando aconteceu, um garoto tão doce, tão bom, era tudo que eu tinha depois que a mãe dele morreu. Criei John praticamente sozinho desde o dois anos de idade, vivíamos juntos bem longe da cidade, no campo, para que ele pudesse ter contato com a natureza. Quando eu era pequeno morei no campo, e me mudei para a cidade com meus pais, detestei, sentia saudade de caminhar entre os pinheiros, de acampar, de caçar e viver ao ar livre. 

 Decidi que depois da morte de minha esposa, criaria meu filho longe das cidades, então comprei uma casinha em uma pequena cidade bem retirada, próximo a uma vasta floresta. John, conforme foi crescendo,  formou o mesmo amor que eu pela mata, adorava brincar na floresta. Como era um cidade pequena, de uns 500 habitantes, eu conhecia todos eles, gente pacata, do interior, muitos deles caçadores, o que fazia com que animais perigosos como ursos, não habitassem os entornos da cidade ou orlas da floresta. Sendo assim, não via problema algum em deixar meu pequeno brincar na mata.

 Porém um certo dia, John demorou a voltar, já passara do horário combinado. Não seria a primeira vez, já tínhamos tido uma conversa séria sobre isso, e ameacei com o cinto, mas na hora em que a situação se repete, a primeira emoção que um pai sente é o medo e não a raiva. Chamei e procurei por ele na mata, mas nada dele responder, comecei a ficar seriamente preocupado, tinha medo dele ter caído em algum barrando ou algo do gênero, mas não o achei. Fui até a delegacia, organizamos um grupo de busca com voluntários e lanternas, procuramos noite e floresta a dentro. Já era quase duas da manhã quando alguns voluntários nos chamaram aos gritos dizendo que o tinham encontrado, seu pequeno corpo pálido e frio, já sem vida, ao lado de um velho carvalho, em seu pequeno pescoço, as marcas roxas de dedos que o estrangularam até a morte, me debulhei em lágrimas sobre o corpo pelo que me pareceram horas.

 A investigação trouxe muitos policiais para a pequena cidade, todos os moradores foram entrevistados, mas ninguém foi suspeito ou mesmo levou a um possível culpado. A perícia não achou nada na cena do crime, a única conclusão foi que ele morrera ali, pois não havia sinais de que tinha sido arrastado. Mas também não havia pegadas, nem DNA ou mesmo digitais em volta do pescoço. Todos tentaram me confortar, mas nada do que falassem ou fizessem me animava, eu estava no fundo do poço, o melhor consolo que achei foi no fundo de uma garrafa de Whisky. Hoje faz exatamente dez anos que meu filho foi morto cruelmente, e seu assassino ainda está por aí, e eu me encontro em frente a lareira, como sempre faço neste dia do ano, com uma garrafa de Grant's quase vazia em uma mão e uma espingarda carregada na outra, sempre com o mesmo pensamento martelando minha cabeça.

 Tomei mais um gole direto do gargalo, limpei a bebida que escorreu em minha barba grisalha e mal cuidada com a manga da camisa de flanela, fitei as chamas do fogo, pensamentos navegando em minha mente em meio ao álcool enquanto eu dedilhava a espingarda. Decidi fazer algo que nunca havia feito antes, não sei dizer o porque, apenas fiz, larguei a garrafa vazia, peguei uma lanterna e fui para o meio do mato com a arma trocando alguns passos pelo caminho. Cheguei ao local onde encontraram meu filho "Apareça maldito desgraçado!" gritei para o nada, esperando a resposta de um assassino que deveria estar a milhas dali, "Seu  canalha filho da puta! Mostre a Cara!" dei um tiro para o alto, uma revoada de pássaros deixou as árvores próximas com medo. Eu fitei o velho carvalho, fora ali, às raízes daquela árvore que o corpo de John fora encontrado, me ajoelhei, fraco e sem forças, chorei feito uma criança assim como no dia que meu filho morreu, coloquei a espingarda embaixo do meu queixo, fechei os olhos e serrei os dentes, preparado para puxar o gatilho.

 Um grasnar veio do alto e me chamou a atenção, um corvo, pousado nos galhos do carvalho "Está esperando o jantar é?!" não sei porque discuti com um pássaro, "Tenho certeza que adoraria dar umas bicadas no meu cadáver não é mesmo?!" me levantei zangado, "Você deve ter feito o mesmo com o corpo do meu filho não é seu Miserável!" apontei a espingarda para ele e fiz o corvo em pedaços, o estouro da arma ecoou pela floresta silenciosa mais uma vez. Nesse momento aconteceu algo que não sei como descrever de outra maneira, mas ouvi um barulho, como de madeira se torcendo, olhei para a fonte do som, o tronco do velho carvalho se torcia e dele se materializava um rosto, uma mão, uma perna e logo um torso inteiro de um homem , feito de carne e osso, seu rosto impassível me fitava sem vacilar, seus passos vinham firme em minha direção, e sua mão esticada mirava meu pescoço.

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