CAPÍTULO 22

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*** capítulo sem correção ortográfica ***

Thales

Não consigo pregar os olhos, meu coração parece prestes a saltar pela boca e enquanto as letras se juntam em palavras que parecem flutuar por sua boca e eu só consigo pensar na forma como ela cuidou de mim.
Não quero parecer um bebê chorão, mas precisei me esforçar para não chorar quando ela saiu correndo do quarto e voltou com um punhado de gelo em um pano, ninguém nunca fez isso para mim, minha mãe sequer olha na minha direção quando sou surrado, e nos dias seguintes ela sequer consegue me encarar quando fala comigo. Acho que ela sente que assim talvez, possa fingir que está tudo bem, basta ignorar os machucados que o seu marido colocou em mim. E as outras coisas...
Talvez eu seja como ela e venho empurrando toda a merda que acontece comigo para baixo do tapete, o fato de estar escondendo o hematoma em meu braço é a prova disso, como se assim pudesse fingir que sou um garoto  normal que está passando um tempo com a menina que gosta e não o desgraçado que não consegue entrar em casa até que todos estejam dormindo porque é doloroso demais ver eles interagindo como uma família normal quando na verdade aquilo é no máximo a merda de um circo dos horrores.
Mas que mal há em querer fingir que está tudo bem?
Minha ficha ainda não caiu e embora eu sempre tenha tido a companhia de Ayla em toda a minha vida, agora é diferente, ela me olha diferente, ela me toca diferente e por mais assustador que seja, eu gosto do seu toque.
Uma parte de mim ainda teme que eu não consiga ficar com ela por muito tempo, que vai haver um dia em que serei machucado de uma forma que ninguém jamais conseguirá me consertar, nem mesmo ela. Deus se ela soubesse... tenho certeza que ela não olharia para mim da forma como está olhando agora. Se ela soubesse ela teria nojo de mim e me mandaria sair da sua casa.
Mas ela não sabe, e nunca saberá. Essa é uma das minhas promessas.
Ela nunca saberá quem sou de verdade. Nunca.
— Você não está me ouvindo. — ela fecha o livro e se vira para olhar para mim quando nota que estou com os olhos fechados.
— Estou sim. — minto.
— Então o que aconteceu? — ela me desafia e sorrio porque eu não faço a menor ideia do que ela está falando, Ayla me acerta com o livro em meu braço bom e gemo exageradamente só para provoca-la.
— Me desculpe, eu não faço ideia do que aconteceu. — admito e ela revira os olhos de um jeito tão bonitinho que não resisto a vontade e me ergo para beija-la.
— Porque você faz isso? — ela pergunta quando volto a me encostar na parede.
— Eu não menti para o seu pai quando disse que você me faz sentir bem. — ergo os ombros porque sinceramente não faço ideia de como explicar o que sinto quando ela começa a ler, nem ao menos me lembro de como isso começou, na minha memória eu sempre estive aqui, deitado ao seu lado ouvindo-a ler, gibis, revistas, matéria de prova e principalmente livros. No começo era apenas um motivo para ficar longe de casa quando os garotos não estavam na rua ou quando eu não podia jogar futebol, mas com o tempo se tornou o meu momento favorito, mesmo que eu ainda não admitisse.
O que disse sobre sua voz é verdade, ela me acalma, mas acima disso, sua voz é minha maior conexão com o mundo, quando ouço Ayla lendo sinto como se todas as minhas emoções flutuassem na superfície do meu corpo e enquanto ela se concentra nas palavras a sua frente eu me sinto um pouco mais humano, mais parecido com os outros garotos da minha idade, algo que venho me sentindo cada dia menos.
— Todas as vezes que ele... — ela não termina, mas compreendo a sua pergunta.
— Todas as vezes em que estou em condições de aparecer aqui.
— Então você me pede para ler.
Ergo os ombros odiando a forma como minhas emoções estão confusas.
— Pois é, eu sou um cara esquisito. — tento brincar, mas quando olho para Ayla, ela não está sorrindo.
— Eu queria poder fazer mais. — ela baixa o olhar enquanto passa os dedos pelo desenho da capa do livro.
— Você faz, mais do que imagina. — digo e ela olha para mim.
— Thales, e se a gente conversar com o meu pai, se mostrarmos o seu braço para ele e contar quem fez isso,
— Não! — falo, um pouco ríspido demais, Ayla se encolhe com minha resposta e me apresso a falar. — Não faça isso, por favor não conte a ninguém.
— Mas Thales, isso não está certo, eu tenho certeza que meu pai poderia fazer algo.
Eu também tenho, Milton iria até minha casa, ameaçaria o Sandro e minha mãe, talvez chamaria o conselho tutelar e então eu seria levado de casa e não poderia mais proteger Tatiana como venho protegendo, ou pior, eles me obrigariam a contar e eu não posso contar, Deus, eu mal consigo pensar em tudo o que acontece naquela casa, tenho certeza que nunca vou conseguir contar. Prefiro morrer.
— Não quero que ninguém faça nada, eu sei me virar. — digo e sei que pareço orgulhoso e ingrato, mas a simples ideia de que Milton descubra meu segredo, que Ayla saiba o que acontece comigo, a ideia de que algo assim possa acontecer com minha irmã...
Levanto da cama e caminho até a janela, está aberta e uma brisa leve entra no quarto, não consigo respirar direito e começa a ficar quente demais.
— Thales. — ela me chama da cama, mas não me viro para olhar para ela, estou envergonhado e chateado.
— Eu preciso ir. —  Ayla não diz nada, apenas me observa ainda sentada na cama com o livro no colo. Me inclino e beijo sua boca rapidamente. — Até amanhã. — digo ao abrir a porta.
— Boa noite. — ela sussurra e saio sentindo meu coração doer no peito.
Não adianta jogar a merda pra debaixo do tapete, sempre haverá alguém que o levantará e então tudo será exposto.

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