Eu não sei direito o que fazer. Tive uma noite estranha hoje. Apenas abri os olhos devagar e notei uma pequena claridade vindo da janela. Estou no meu quarto, um simples espaço que fica no porão. A cama de solteiro feita de madeira range um pouco quando tenho pesadelos.
Porém, gosto muito de minha coberta. Ela tem um roxo intenso e a maciez traz um conforto. Penso em levantar, mas não sei se deveria. Com certeza a fazenda terá muito o que fazer. Meus avós sempre me chamam para regar os alfaces pela manhã. O estranho é que eu não escutei nenhum barulho na casa.
- Eu deveria regar os alfaces hoje? Digo em voz alta
Nenhuma resposta.
Minha respiração acelera um pouco. A cama range um pouco mais enquanto levanto da cama. Eu vivo com meus avós desde meus 6 anos. Meus pais resolveram que um filho atrasaria seus planos, me deixaram um final de semana aqui e nunca mais voltaram.
Porém, não tenho muito do que reclamar. Temos uma pequena fazenda que podemos plantar coisas para ajudar nas contas. Eu faço algumas pinturas para vender e assim junto dinheiro pra uma futura faculdade.
Apesar de eu pensar que minha vida tem uma história triste, eu julgo que seja bom. Pois as coisas funcionam bem.
Ando pelo quarto em passos leves e respiração acelerada. Meus cabelos castanho caem em cachos pelas costas. Com certeza com mais nós do que eu possa desembaraçar.
Meu pequeno baú de madeira, meus livros e minha cama ficaram pra trás. Ao atravessar a porta me aproximo das escadas. As escadas de qualquer casa antiga com seu barulho tradicional e sua madeira bege. Por isso ninguém me deixa chegar perto de fósforos por aqui.
- Gente?
Silêncio
Desço as escadas rapidamente. A sala de estar está totalmente vazia. Minha vó Maria tem um luxo por seus sofás em tons amarelados pastel. Está tudo perfeitamente arrumado e em cada lugar. Três sofás, um tapete e almofadas alinhadas em cada sofá.
O medo me acompanha, na correria ando por todos os cômodos rapidamente. A cozinha simples ao lado, o quarto deles com o habitual cheiro de biscoitos e o pequeno banheiro azulado ao centro de tudo. Tudo vazio e arrumado.
É inexplicável o vazio que me atingiu, um sentimento de abandono total. Lágrimas escorrem dos meus olhos escuros e caem em cascata pelo corpo.
Eu não consigo entender, tudo funcionava bem e agora nada funciona.
A indagação durou poucos segundos.
Só senti um pedaço de madeira voar no meio de minha barriga. Era a porta, a porta se partiu. Um zumbido no ouvido, uma adrenalina imbatível e uma dor automática.
Um animal gigante estava dentro da casa, eu não conseguia identificar o que era. Meu corpo é pequeno e não muito ágil. Por isso fui pro chão no mesmo segundo. Apesar da dor, foi uma pancada sutil, nenhum sangue ou ferimento aparente.
Olhos brancos me fitaram. Um barulho horrível invadiu a casa. Um chiado muito forte. Em questão de segundos a adrenalina me acelerou.
Automaticamente rolei pra perto das escadas e me arrastando subi até estar completamente de pé. Então eu sinto algo se aproximando, o bagulho se aproximava rapidamente e o meu sangue fervia. Com as mãos suadas e na adrenalina total subi até a porta do quarto.
Em segundos avistei o peso da porta. Era um boneco de argila pintado a mão. Olhos castanhos, cabelos pretos em um terninho preto. Eu tinha nomeado ele de Evaristo. Então, fiz o Evaristo voar pela primeira vez em sua vida. Pois o quebrei no rosto da criatura. Estava esperando o pior depois disso.
Evaristo se quebrou em pedaços nos olhos brancos em um rosto desfigurado e cheio de pelos castanhos amendoados. Ao invés de barulhos estranhos, ouvi algo que me assustou ainda mais.
-AIIII SUA MALUCA!
Uma voz humana masculina. Não tive tempo de me assustar mais, pois na hora fechei a porta bruscamente e a tranquei com a chavinha.Pânico.... Era só isso que eu sentia. Mãos frias, suor em todos os lugares e a adrenalina contínua. Eu tinha que sair dessa casa, de alguma forma. Mas, pra onde eu iria?
Escuto algo arranhando a porta sutilmente. O pânico piorava aos poucos. Olhando para a direita identifiquei minha pequena janela.
Era de com uma vidraça, levantei ela e olhei pra baixo.
Era uma boa altura, mas acho que é algo que não vai me trazer grandes ferimentos. Abaixo uma terra marrom com pequenos montes de mato. Algumas pedrinhas espalhadas e a horta ficava um pouco mais pra frente. Do lado esquerdo tem um grande morro de pedras grandes. Que posso subir facilmente. Ele dá direto para uma floresta pouco conhecida. Porém, cobras moram debaixo das pedras. É preciso ter cuidado.
O barulho da porta aumentou e eu só senti o vento bater enquanto pulei com os dois pés pela janela.
Não sei se calculei errado o pulo, mas perdi um pouco da noção de espaço quando estava indo pro chão. Senti que o tempo de queda estava um pouco maior e o local que eu estava caindo não estava certo. Só senti o vento batendo e o chão vindo.
Ao invés de cair em pé certinho. Eu atingi o chão como uma abóbora e ao sentir a terra nas pernas e a ardência de alguns ferimentos. Senti uma grande dor na cabeça e a escuridão veio junto automaticamente.
Então, não senti mais nada. Além de um sono e um apagão instantâneo.
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Jornada Constante
FantasíaAté que ponto a vida pode se tornar anormal? Em que ponto tudo muda? Apenas delírios ou destinos traçados? Lúcia tem apenas 20 anos e sua vida mudou do dia para a noite. Vale a pena arriscar tudo e acreditar no sobrenatural?