SHAWN

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Ser cego sempre foi, segundo as pessoas, o meu maior problema. Não, pra mim, ser cego nunca foi um problema mas, para as pessoas, sempre foi.

Acontece que, mesmo que eu concordasse dizendo que ser cego me torna alguém cheio de problemas e limitações isso teria mudado a um mês atrás.

Descobrir o câncer da minha irmãzinha me deixou totalmente dependente. Me tornei dependente dela, me tornei depende de Camila, me tornei depende dos meus pais, me tornei dependente de Deus, me tornei dependente do barulho.

Ouvir seu barulho é o mesmo que receber, constantemente, a confirmação de que ela está bem, de que está livre de dor, sorrindo e brincando como sempre o fez.

Hoje não há barulho, a casa está em completo silêncio. Aali foi fazer seu primeiro procedimento de quimioterapia e voltou muito debilitada, ela diz que não está com dor mas sua voz está baixa, fraquinha e ela não riu da piada do elefante que sempre contei a ela em momentos tristes. Aali não está no seu melhor dia e, consequentemente, eu também não.

- Shawn, filho?! Ela está bem, não se preocupe. Nós vamos superar tudo isso. - papai entrou em meu quarto com a voz tão triste e abalada quanto eu estava me sentindo.

- Pai, eu não consigo acreditar nisso, ela... Ela estava bem até fazer esse negócio, como isso pode fazer bem pra ela? Ela não riu da minha piada ruim, papai, ela está tão cansadinha - senti a mão do meu pai apoiando-se em meu ombro e deixei que uma lágrima rolasse por minha bochecha.

- Você tem visita!

Papai saiu e logo depois pude sentir os lábios doces de Camila cobrirem os meus olhos.

- Como ela está?

- Ela diz estar bem, mas ela está tão fraquinha, com a voz baixinha e cansada. Eu sei que ela não está bem.

- Ela está bem sim, meu amor. Aali é forte, passei no quarto dela e está dormindo. Tenho plena certeza que ela vai acordar muito mais disposta e falante!

- Eu tenho medo, Camz. Tenho medo de perdê-la.

Ela suspirou e apertou seus braços ao redor do meu corpo em um abraço gostoso e reconfortante.

- Brian e Tay nos chamaram pra ir ao cinema... - senti sua hesitação e aquilo me incomodou mais que pensar em sair de casa e deixar Aali sem mim.

- Porque hesitou?

- Eu conversei com sua mãe, ela disse que eu deveria te arrastar pra fora dessa casa mas... Sei que pode não ser fácil sair daqui. - suspirou - Não quis soar como inconveniente mas, quero que se distraia um pouco também.

Parei para pensar, faz tempo que não tenho um tempo para os meus amigos. Acho que faz tempo que eu não tiro um tempo apenas para ficar com a minha namorada, tudo o que eu venho fazendo é voltado para Aali, acho que preciso sair um pouco de casa também e dar mais atenção ao mundo.

- Vamos, ela está dormindo, não está?! Acho que não posso fazer nada ficando aqui...

Confesso que não estava cem por cento animado em sair de casa, talvez eu preferisse ficar aqui. Mas não vou.

Adentrei o carro sentando no banco do carona enquanto Camila sentava no banco do motorista. É estranho pensar que, se vivêssemos no século passado, eu e ela jamais teríamos esse papel "invertido", na verdade, eu e ela andaríamos para sempre a pé ou seríamos extremamente ricos para ter nosso motorista particular de carroça ou seja lá o que as pessoas usavam no século passado para se locomover.

Foi inevitável rir. Meu riso saiu solto por entre meus lábios com um pensamento tão bobo como esse meu.

- Que foi? - a voz dela pareceu animada, mas confusa.

Não a julgo, eu não enxergo, então eu não posso ter visto nada engraçado que ela não tenha visto e ela também não disse nada para que eu estivesse rindo.

- Nada, foi um pensamento tosco que passou pela minha cabeça.

- E eu não posso saber que pensamento foi esse? - curiosa. Ela detesta ficar curiosa. Sua voz está mais séria e carregada que o normal.

- Eu estava pensando que, sei lá... No século passado nós estaríamos andando a pé, já que eu não posso dirigir e, antigamente, mulheres não dirigiam. - ela riu.

- Não, meu bem. Você ia dar um jeito de conseguir o dinheiro do carro. E eu ia chocar a sociedade sendo a primeira mulher no mundo a dirigir no lugar do marido.

- É, você tem razão. Você chocaria a sociedade e eu seria extremamente orgulhoso e sedentário.

- Que bom que vivemos no século vinte e um e, bem, eu não precisei chocar a sociedade, mas você... Bem, você continua sedentário.

- E orgulhoso, muito orgulhoso aliás.

O cheiro de pipoca tomava conta de todo o lugar e, assim que nos encontramos em meio à multidão, ouvi a voz de nossos amigos.

- Não acredito, Bry. Ele veio mesmo!

- É... Acho que a Camila realmente prendeu meu amigo. - apesar do tom de gozação, era nítido o orgulho que sua voz trazia.

Há cerca de uns três meses atrás eu me perguntaria o porquê desse orgulho ou questionaria meus "superpoderes" mas, hoje, esse sentimento faz sentido.

Faz sentido porque sei que me abri para o amor, faz sentido porque sei que encontrei o amor. Faz sentido porque se trata não apenas de mim, se trata dela também.

- Não provoque, Bry. Se o chato do seu amigo resolve querer ir embora, a chata da minha amiga simplesmente faz o que ele quer.

- Ei, não é assim que funciona! - Camz jamais admitiu que fazia as coisas por mim mas, mesmo parecendo muito egocêntrico da minha parte, sei que ela realmente fazia.

Eles viram o filme em um silêncio profundo, pareciam realmente concentrados mas, minha mente vagava e insistia em pensar apenas em como deve ser diferente poder, verdadeiramente, assistir a um filme.

Eu apenas os ouço mas acho que, talvez pela primeira vez, o desejo de querer ver quase me faz chorar.


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Oiii, eu sei que eu já disse isso da última vez mas, é que quando eu me recupero de um baque, 2020 vem e me dá outro.
Vou contar meio por cima o que aconteceu porque eu acho que vocês que leem essa história merecem a consideração de eu chegar aqui e explicar o porquê de tanta demora. Por favor, leiam os comentários!! Amo vocês!! ❤❤

Paixão às Cegas.Onde histórias criam vida. Descubra agora