Cinábrio; único

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Em passos vagarosos WuXian aproximou-se da enorme pintura em seda, pendurada na parede com grande afeição. Os olhos do homem retratado pareciam afogar em culpas a silhueta esbelta de WuXian, acompanhando-o com os olhos isentos de alma, cheios de frieza e remorso. Jogando o peso de mil montanhas sobre o corpo frágil de WuXian. Aquela era apenas uma projeção em tinta do homem tão belo que um dia já caminhara pelas ruas ramificadas da província quando ainda era um belo moço. Não poderia haver homem mais formoso, mais bem-moldado. Não, apenas ele. Desde os olhos folheados a ouro aos lábios trabalhosamente desenhados. Empenhado em tanta beleza não nasceria em mil anos outro homem como aquele, WuXian sabia.

Sobre o piso pardo WuXian dobrou seus joelhos frente a pintura. Suas mãos uniram-se em forma de concha, seu corpo reverenciou uma vez antes de se erguer novamente. No salão diversos jarros erguiam-se imponentes sobre os móveis amadeirados. Ornamentos prateados frente aos retratos de paisagens longínquas, eles rebatiam as luzes alaranjadas das lanternas, como se fossem velas também. Permitindo ao quarto um pouco mais de vida. WuXian entrara escondido, jamais um dos familiares permitiria sua presença num local exclusivo do clã. Exclusivo dele.

Na borda dos seus orbes pairava certo vermelho, seus longos cílios fluíam das extremidades de seus olhos belamente. Sua pele se assemelhava a porcelana polida, trabalhada a fio dias e anos. As longas linhas desaguavam sobre seus ombros e findavam-se abaixo de suas costas. Entre eles escorria uma fita encarnada. Cor de cinábrio. Quem quer que fosse poderia, ao encarar o rosto de Wei WuXian, entender as ondas sentimentais as quais afloravam perigosamente no coração do segundo irmão Lan, feito um hospedeiro indesejado. Wei WuXian era um homem bonito, andava pelas terras verdes da propriedade banhado por seu manto vermelho cinábrio, iluminado pelo sol.

"Meu amado, se é que posso chamá-lo assim...", WuXian lamentou, achegava-se a beira da larga cama onde um homem repousava pacífico. A coberta de seda bordada em fios azuis recaia tão bem sobre o corpo cândido, fazia os átrios da alma de WuXian desmancharem em paixão. "Há coisas em minha garganta que não tratei de dizer. Não tive coragem. Agora que não poderão ser ouvidas, decidi abrir meu coração perante meu senhor. Que o vento carregue minhas palavras". Com o coração disparado em seu peito, WuXian curvou-se três vezes para o leito. Afinal, sabia bem como se portar frente ao seu senhor.

Em seguida, tornou a se pôr em pé e se assentou na extremidade do leito. Inclinou o seu corpo para frente. O homem estava entre seus braços, os fios de WuXian se derramavam e roçavam na bochecha do senhor. Depois de tanto admirar, WuXian desceu seu rosto para um beijo. Seus lábios se demoraram quando em contato com os do moço. WuXian conseguia sentir a respiração quente formigar contra sua pele. Ao separar seus lábios, após muita luta, WuXian acariciou o rosto alheio.

"Não há um culpado nessa história. Porém, parte da responsabilidade foi minha. Parte, grande parte. Amado, não somos feitos para ficarmos juntos, agora..."

Em todos os lugares repousavam sombras obscuras. A vela tremulou com o vento. WuXian respirou profundamente. Não sabia bem o que dizer. Bom, haviam muitas palavras, porém ele não sabia por onde deveria começar. "Quando eu te vi pela primeira vez tive certeza que sofreria todos os dias por essa paixão. Você não pertence a alguém como eu. Sabem o que dizem desse tipo de amor? Fadado ao fracasso. Meus pequenos dias de vida são desprovidos de prazer".

WuXian relembrou do homem caminhando frente a ele, seu rosto frio e atos arduamente graduados; Wangji. Viam-se em todos os cantos do Feudo, quer dizer, nos que eram permitidos, afinal, WuXian era apenas um servo, não tinha permissão para chegar perto de seu Senhor. Ou melhor, das áreas destinadas aos passeios da família. WuXian não sabia se Wangji o seguia ou se era apenas sua mente desesperada para encontrar o rapaz que, sem perceber, perseguia-o quando falavam que o rapaz caminhava por perto. Wangji era um moço formoso, belo da cabeça aos pés. Filho de um poderoso clã, filho do Senhor Feudal. E WuXian, filho de um servo com uma bela mulher, por isso traços tão trabalhados.

Poço de Cinábrio; Mo Dao Zu ShiOnde histórias criam vida. Descubra agora