O Amigo do Meu Irmão

Aluno Novo

Estou em meu quarto imersa no universo de Jane Austen quando a confusão começa.

- Henrique! Henrique volta aqui! - ouço minha mãe gritar e passos apressados subindo as escadas - Onde você estava?

Olho o celular e constato que são 23:00. É a quarta vez em uma semana que meu irmão gêmeo Henrique chega tarde em casa e não avisa ninguém, minha mãe está ficando louca. Escuto a porta do quarto dele bater e minha mãe chacoalhando a maçaneta freneticamente.

- SE VOCÊ ACABAR PRESO EU NÃO VOU PAGAR SUA FIANÇA! - ela diz aos berros e desiste de tentar conversar.

Abro a porta que separa nossos quartos por dentro - sim, nossos pais fizeram quartos conjugados para nós, não bastasse tudo que dividimos ao longo da vida-  e me jogo ao seu lado na cama.

- De onde ela tirou essa ideia maluca de que eu vou ser preso? - ele diz enquanto digita em seu celular.

- Dá um desconto pra ela, ela não sabe onde você estava nem o que estava fazendo. Você poderia estar vendendo drogas - eu digo analisando a capacidade da minha mãe de presumir o pior em qualquer situação.

- Ela é doida - ele ri da hipótese.

- Eu nunca disse que ela não era - eu concordo - Onde você estava?

- Não é da sua conta - ele diz indiferente e eu jogo um travesseiro nele.

- Tocando em outra festa idiota de novo? - eu presumo.

- Não é idiota - ele se ofende.

- Você está em casa às onze da noite, não era uma festa muito boa - eu provoco.

- É, não foi das melhores - ele balança a cabeça de olhos fechados- Mas pagou bem então eu não tô nem aí.

- Ainda não achou um guitarrista? - eu puxo assunto me acomodando ao seu lado.

- Não - responde frustrado - Todos são uma merda.

Eu faço um som de concordância e sinto o sono me derrubar. Theo está apagado do outro lado da cama king e ronca baixinho.

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Acordo com a luz do sol incomodando meus olhos e me remexo tentando bloquear a claridade. Conforme meu cérebro acorda percebo que o despertador não tocou e me viro pra olhar no relógio na mesa de cabeceira. 6:45. Preciso me levantar agora se quiser chegar a tempo na escola. Odeio segundas feiras.

Me levanto e cutuco Henrique para acordá-lo também. Ele faz cara feia pra mim e atira o travesseiro na minha direção. Só existe uma pessoa menos sociável de manhã do que eu e é ele. 

Deixo ele e vou para o quarto tomar um banho rápido. Visto a blusa vermelha do uniforme e uma calça jeans rasgada com a barra dobrada, calço um tênis branco e me viro para olhar pela janela decidindo se visto um moletom ou não. O céu está nublado e um vento frio entra pela fresta que abri, tempo típico do meio de abril.

Pego um moletom preto com capuz e zíper e visto antes de sair do quarto com a mochila na mão. Minha mochila é meu orgulho, ela era originalmente branca e sem graça mas agora é decorada com todo tipo de adesivo colorido, de bandas à referências literárias e um unicórnio colorido.

Me jogo no balcão e minha mãe está no celular com alguém e esboça um "bom dia" sem fazer som. Alcanço meu copo térmico e encho-o até a metade com o café que minha mãe acabou de fazer e completo com leite e açúcar. 

Minha mãe se levanta e alcança a bolsa ainda com o celular grudado ao ouvido, acena para a porta e para a escada o que significa que eu tenho que chamar o Rick pra gente sair. Subo as escadas e bato na porta do seu quarto - Vamos! - eu grito sem parar de bater até ele abrir a porta e sair sem dizer uma palavra.

Ele pega o copo que estou segurando e dá uma grande golada antes de falar alguma coisa - Você coloca açúcar demais no café - ele diz e desce as escadas. É impossível conseguir mais que uma frase dele antes das nove.

Minha mãe nos deixa na escola no caminho para o trabalho e entramos na sala de aula juntos. Rick se joga na última cadeira da fileira da parede e encosta nela de olhos fechados, eu me sento na penúltima cadeira no meio e checo minhas notificações. Respondo algumas mensagens e ignoro o resto tirando um livro da bolsa pra passar o tempo. Não li uma página antes de ser interrompida.

- Tem alguém sentado aqui? - uma voz masculina pergunta.

- Provavelmente não - eu respondo sem desviar os olhos do livro.

- É um bom livro - a mesma voz comenta e atrai minha atenção com o comentário.

- Você já leu? - pergunto surpresa e levanto o olhar para ver o dono da voz e me deparo com uma surpresa ainda maior. Um garoto que eu nunca vi antes, de cabelo loiro escuro e olhos muito azuis olha de volta pra mim. Ele veste uma jaqueta de couro preta e jeans rasgados que o deixam com uma aparência controversa.

- Não precisa soar tão surpresa - ele ri me mostrando um sorriso charmoso e levemente torto.

- Eu só... Você não se parece com alguém que lê Jane Austen - eu explico - Kafka ou George Orwell talvez, mas não Jane Austen.

- São bons autores - ele comenta distraído - Mas as vezes preciso fazer uma pausa de pessoas virando baratas e animais de fazenda comunistas - ele diz com naturalidade e uma risada escapa incontida dos meus lábios.

- Justo - eu concordo.

- Então - ele começa com um sorriso debochado - Qual é a aparência de um cara que lê Jane Austen?

- Sei lá, mas não é a de um integrante do Ramones - eu digo rindo.

- Ai - ele diz com a mão no peito como se estivesse magoado mas sua expressão evidencia que está achando graça - Meu cabelo não é daquele jeito.

- Não, mas a jaqueta é - eu argumento.

Ele abre a boca pra responder quando o professor entra na sala acompanhado de Júlia que parece desconfortável.

Júlia é minha amiga desde que consigo escrever meu nome, nos conhecemos no jardim de  infância e estudamos juntas a vida toda. Seu cabelo cacheado está preso em um rabo de cavalo e seus olhos escuros estão cerrados de irritação. Ela se joga na cadeira à minha esquerda e digita alguma coisa em seu celular.

Na mesma hora o meu celular vibra no bolso do moletom e eu o pego pra ler sua mensagem

Juju: "Esse babaca está pegando no meu pé de novo por causa de 5 minutos de atraso *emoji de vômito*"

Ágata: "Típico"

Juju: "Quem é o gatinho?"

Ágata: "Aluno novo"

Juju: "Tem nome?"

Ágata: "Tem mas eu não sei"

Juju: "Acho que você vai acabar descobrindo pq ele ta olhando pra vc *emoji safado*"

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