Quando o velório terminou, mandei uma mensagem para Leonard avisando que iria dormir na minha antiga casa, ele compreendeu e perguntou como eu estava. Para falar a verdade, eu achava que seria bom para ambos passar um tempo separados. Aquilo tudo tinha sido demais para nós dois, e precisávamos pôr os pensamentos no lugar.Assim que abri a porta do meu antigo quarto, fui invadida por lembranças boas e ruins. Aquele cômodo havia sido o meu refugio por muitos e muitos anos, mas naquele momento, não passava de um quarto. Eu me sentia uma hóspede na imensa mansão. Nada daquilo parecia real. Por Deus, meu pai estava morto.
Nem depois de tomar banho eu consegui dormir. Cansada de ficar rolando na cama, sai do quarto e fui em direção à cozinha.
O relógio marcava quinze para às duas, e mesmo assim Lúcia estava na cozinha, terminando de lavar a louça.
- Lúcia - disse eu, me aproximando - , não precisa fazer isso à essa hora. O dia foi longo.
Ela se virou e deu um meio sorriso.
- Estou sem sono, e vejo que você também.
Fui até a geladeira e peguei um pote de sorvete e uma colher. Me sentei em um banco do balcão e comecei a devora-lo.
- Como você está? - Perguntou, secando as mãos em um pano.
- Em choque - respondi, sincera. - A ficha ainda não caiu que isso está mesmo acontecendo.
A cozinheira me encarou.
- Para mim também não - disse. - Eu conhecia o seu pai há mais de vinte anos e agora ele está morto.
Morto. Como aquele homem em Toulouse. Tentei desfazer o nó que se formava em minha garganta com mais uma colher de sorvete.
- Em pensar que a última vez que eu o vi, nós discutimos - soltei um riso amargo. - Queria que ele não tivesse morrido com raiva de mim.
Sentindo o peso daquela confissão, a mulher se sentou no banco da frente e pôs o pano sobre o balcão de mármore.
- Não pense assim, Liz - era uma das poucas vezes que ela me chamava pelo meu nome sem o acompanhamento "menina."- Seu pai a amava muito, tanto você quanto as suas irmãs. Independente dos problemas que você tiveram.
"Problemas" não era bem o termo certo.
- Você sabe, não é? - Perguntei.
Lúcia afirmou com a cabeça, solene.
- Sei sim - respondeu. - Confesso que não me surpreendeu muito saber que você havia se metido... nisso. Você, mais do que as outras, se parecia muito com o Christian, Liz - tentei não franzir o cenho. - Por Deus, até o jeito que você me encara é idêntico à ele. Os olhos azuis...
- Já entendi, Lúcia - interrompi-a. - É a segunda pessoa só essa semana que me diz isso - dei uma pausa. - E por mais que eu concorde, não gosto de ser comparada ao meu pai criminoso.
Senti a tensão no ar, a cozinheira também.
- Bem, criminoso ou não, você está seguindo os mesmos passos que ele - aquilo havia sido um tapa na minha cara. - Só não pense muito nisso, você é muito nova - deu uma pausa e se levantou. - Ah, e não se meta em problemas, apesar de que esse conselho já veio tarde, não é?
Assenti.
- É, acho que agora é tarde.
Lúcia deu um sorriso fraco e voltou aos seus afazeres. Voltei a minha atenção ao sorvete, apesar de não sentir mais gosto de nada.
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Morgan's - No Olho De Liz
Roman pour AdolescentsVocê tem dezessete anos. É rica, tem uma família perfeita composta por uma irmã mais nova e outra mais velha, seu pai e sua mãe. Adora surfar e é líder de torcida. Você é Lizandra Morgan, uma das garotas mais cobiçadas da pequena cidade de Charlesto...