Estrela e Lobo

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Remus lia Charles Bukowski no ponto de ônibus quando percebeu, pelo canto do olho, alguém se sentando ao seu lado. Riu discretamente com o parágrafo do humor mórbido típico do velho safado, só depois tendo a curiosidade de levantar os olhos para o recém-chegado. Qualquer mero movimento naquela rua àquela hora da noite era bem incomum, embora não tanto a ponto de ficar incomodado.

Quando mirou a pessoa, demorou a perceber que não era um adolescente. Só conseguindo ver a diferente por conta da barba bem-feita, mas todo o restante parecia destoar. Com os braços magros expostos pela regata preta, Remus podia ver bem as tatuagens desenhadas ali, o que combinou com o jeans rasgado e o bracelete de espinhos. Também havia os piercings nas orelhas, que pôde ver graças ao coque mal feito e desalinhado. Parecia alguém na casa dos vintes, com uma carranca e uma enorme garrafa de vinho na mão. E a julgar pelo saco de papel ao chão com mais três iguais, Remus deduziu que a noite dele só estava começando.

Pensou primeiro no fato dele ser muito bonito, embora isso não significasse mais do que isso. Sabia que as pessoas costumavam ter suas paixonites do ônibus, mas não experienciava muito daquilo, em especial aos vinte e seis. Se precisasse chutar, diria que ele e o moreno tinham a mesma idade, o que chegava a ser engraçado, já que parecia ter uns sete anos a mais se fosse comparar. Olheiras e cabelo bagunçado caíam bem em jovens, mas não em Remus. Com certeza não em Remus.

─ Boa noite ─ cumprimentou com simpatia oferecendo um sorriso gentil. Ele sequer retribuiu o olhar, o que fez Remus dar de ombros e voltar o para o livro de bolso.

Em Você Fica Tão Sozinho Às Vezes que Até Faz Sentido, Charles chega no poema Não Tem Remédio para Isso onde fala sobre a vazio incurável do coração, a solidão que nunca era preenchida. Um sorriso humorado e desgostoso inclina levemente seus lábios, o amargor começando a diverti-lo quando teve a impressão de estar sendo observado. Sentia o cheiro do vinho por trás do livro, mas imaginou que não deveria se preocupar. O rapaz provavelmente estava bêbado e nem deveria ter percebido sua mesura.

Depois de quatro minutos com a mesma sensação, não conseguiu mais se concentrar nos versos indelicados do poema, se rendendo a curiosidade de olhar o moreno pela segunda vez. Tinha se assustado; não porque o rapaz realmente o encarava, e sim porque estava tão perto que agora podia reparar melhor nos seus detalhes. O imenso roxo que rodeava o olho cinzento foi o que mais chamou sua atenção, mas o sangue descendo do nariz não ganhou por bem pouco. Ele parecia ter levado uma bela surra, porque até suas roupas estavam surradas.

─ Senhor... Tudo bem? ─ Pigarreou, desconfortável com o olhar vidrado. Ele nem piscava. Poderia estar mais do que bêbado, talvez? Abriu a boca para tentar mais uma vez, sendo impedido pela voz embargada:

─ Sua família é boa?

─ O quê?

A testa dele se enrugou.

─ Sua família! Seus pais, sua mãe! ─ Ele se exaltou por um segundo e se recolheu na mesma hora. Estranhamente achou bonito a forma como ele mexeu nos cabelos com nervosismo. ─ Eles são bons para você? ─ perguntou ainda enraivecido, mesmo que a voz fosse mais baixa agora.

─ Sim. Eles são ótimos ─ respondeu. Estava um pouco perdido ali ─ e com razão. ─ Está tudo bem? Eu posso ligar para alguém se precisar.

Chegava a ser engraçado como Remus não se intimidava por um bêbado, tampouco se amedrontava. Era a reação mais comum e instantânea de alguém quando se deparava com um homem alcoolizado. As marcas onduladas e esbranquiçadas em sua pele pareciam aumentar sua tolerância ao medo. Um cara com uma garrafa quase vazia não faria nem seus pelos se arrepiarem.

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