Capítulo 55

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Eu: Natalie, para com isso, achei que já tivéssemos passado dessa fase de culpa.

Nat: Eu sei que eu não tive culpa direta, mas eu sinto entende. Lá na clínica que eu fiquei, a psiquiatra e psicóloga tiveram acesso ao laudo da pericia. Eles conseguem isso quando pacientes tem traumas por acidentes se sentem culpados mas não tem culpa. Então ela conseguiu. Eu fui bem relutante por muito tempo em saber o que havia escrito ali. Até que ela leu. Foi quando eu consegui respirar de novo, foi quando eu consegui me sentir viva de novo. Depois de um tempo quando me sentia melhor para voltar, eu voltei. E quando eu voltei, nosso casamento acabou, minha filha mais velha me odiava e sequer chegou perto de mim. – falava triste.

Eu: Todo mundo perdeu, todo mundo sofreu, todo mundo sentiu. Seu erro foi não confiar que poderíamos superar a perda do nosso filho juntas. Você entrou numa depressão profunda, não queria mais viver, tentou se matar, e você fugiu. Não deixou que eu me aproximasse e tentasse te ajudar. A culpa te dominou.

Nat: E ainda me domina, mesmo que um pouco.

Eu: Se passaram 8 anos Natalie. Nosso casamento acabou por isso e agora estamos tentando nos reerguer, ser felizes novamente.

Nat: Perdi o chá das princesas que a Júlia amava fazer.

Eu: Ela nunca mais fez o chá das princesas depois de alguns meses fazendo comigo. O chá com você era diferente com você, eu tentei né, mas ela queria você – A Júlia amava fazer o chá das princesas. Ela colocava uma fantasia, fazia a gente colocar coroas, pegava frutas, biscoitos e sucos, pegava o joguinho de chá que ela tinha e fazíamos o chá das princesas pelo menos uma vez na semana. E quando era só ela e a Natalie era muito incrível pra ela. Era o momento delas então mesmo fazendo com ela por alguns meses, ela decidiu que não queria mais.

Nat: Eu tirei muitas coisas da minha filha.

Eu: Ela está tentando se reaproximar. É difícil pra ela. Sei que dói em você, mas também é difícil pra ela.

Nat: Nem sei se eu mereço que ela tente. Falou triste.

Eu: Natalie, você está mais uma vez se culpando.

Nat: É inevitável. – suspirou.

Eu: Se você não superar isso, não vai conseguir viver em paz. Cada vez que eu cuidava de uma criança da idade dele meu coração parecia querer sair pela boca. O Rodrigo muitas vezes brigou comigo dizendo que não era o meu filho, porque eu fazia o impossível para não perder nenhuma criança. Quando eu passo pelo corredor da cirurgia, o que acontece todos os dias, eu me lembro exatamente do momento em que nos despedimos dele, para a retirada dos órgãos. Não tem um dia que eu não me lembre disso, nesses 8 anos. – sequei a lágrima que caia. – Mas ele se foi, e o tempo que ele esteve conosco foi o mais perfeito possível. Muitas crianças tiveram a chance de viver. Isso me conforta. Quem recebeu o coração, os rins, o fígado, os pulmões e as córneas dele. Ele salvou 8 crianças. A garotinha que recebeu uma das córneas dele, esteve no hospital esses dias. A mãe dela teve um bebê. Eu soube que era ela, porque o doutor Hernandez me disse que ela recebeu uma das córneas do nosso filho. Ela é linda e muito feliz. – sorri. – Isso me conforta.

Nat: Eu ainda sinto um vazio imenso dentro de mim. Sempre falta alguém sob o meu olhar, nos meus braços, na mesa, no natal. Sempre falta alguém. – o assunto logo foi encerrado, estávamos ficando tristes falar disso.

20 DE AGOSTO...

Esse dia foi insano. Eu fiz duas cirurgias imensas, e estava chovendo muito. Eu vinha sonhando muito com meu filho e isso não acontecia. Quando finalmente de madrugada tudo estava calmo, chegou um casal com os filhos. Sofreram um acidente, perderam o controle do carro e bateram num poste. As ambulâncias foram chegando, o Rod pegou um paciente, a Luíza outro, doutor Adolfo pegou outro e eu peguei um garoto de 10 anos.

NATIESE EM: A CULPAOnde histórias criam vida. Descubra agora