𝟐𝟐 𝐝𝐞 𝐝𝐞𝐳𝐞𝐦𝐛𝐫𝐨 𝐝𝐞 𝟐𝟎𝟑𝟏

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O centro de reabilitação era um lugar sombrio, o que era irônico levando em conta a propaganda feita pelo governo que mostra aquele lugar como um período catártico para as pessoas que estão tentando se reintegrar na sociedade.

A realidade chega a ser decepcionante.

Em menos de um mês de inaugurado as pessoas que eram levadas para lá estavam longe de precisar de alguma reintegração, em sua maioria eram pessoas normais que não concordavam com o novo regime e expressavam seu descontentamento ou revolucionários que foram presos sob o único argumento de perturbação da ordem, mas o real motivo era a busca por informações.

E os métodos não eram os mais humanos.

Gentileza não era o forte do governo atual.

As torturas físicas e psicológicas aconteciam debaixo dos panos e longe do olhar da mídia, ninguém fazia ideia do que acontecia no deserto a quilômetros da civilização.

Os prédios que formavam o centro de reabilitação de Segeul caiam em um silêncio melancólico durante as noites, mas nesse dia o silêncio do complexo masculino foi perturbado. Uma voz ecoava pelas paredes, cantarolando uma melodia pouco conhecida que preenchia a noite calma e repleta de tristeza que emanava de cada prisioneiro usando as roupas na cor cinza daquele lugar.

Jinho continua a cantar, observando as grades do buraco quadrado da porta de chumbo — seu único contato com o exterior — com os olhos tão cansados que mal se abriam, o cabelo escuro já estava grande o suficiente para tampar sua visão e o rosto que costumava ser redondo e cheinho estava se tornando magro. Ele estava cansado, mas continuava a cantar, mesmo que o mandassem se calar ele continuava cantando até suas cordas vocais pedirem arrego, um protesto por terem o trazido até ali. Mesmo com sono continuava sentado no beliche de cima, ainda cantando sozinho na cela.

Ele tinha uma vida pacifica. Vivia com o dinheiro que conseguia tocando em bares e nas ruas do bairro mais movimentado da capital, mas suas composições pareceram não agradar os militares que cuidavam daquela parte da cidade e depois de ouvir várias queixas sobre o teor de suas músicas ele levantou a cabeça e voltou a tocar, desafiando a autoridade das pessoas que estavam tentando censura-lo.

No fim, o violão foi quebrado e Jinho foi algemado sem outro grande motivo além de estar perturbando o sossego dos militares com uma música bem escrachada sobre liberdade.

Desde então ele foi levado e preso, mas nunca silenciado.

Carregava essa filosofia de que podiam destruir seus instrumentos e o bater o quanto quisessem, mas não podiam silenciar sua voz que estaria sempre ali, ecoando pelas paredes de concreto como uma lembrança. As vezes outros músicos se juntavam a ele em um coro melancólico do que foram suas vidas antes do famoso centro de reabilitação de Segeul.

O deserto não perdoava. Cumpria sua função de ser escaldante durante os dias e congelante nas noites, Jinho deu graças que hoje os guardas estavam com o mínimo de paciência para não o prenderem do lado de fora apenas com as roupas do corpo e sua voz que continuava a cantar até que não aguentasse mais.

Ele estica as pernas sobre o colchão fino, tomando folego mais uma vez para continuar a cantoria que já virava um murmúrio com o passar das horas, quando ouviu o estrondo das grades se abrindo e vozes vindas do fim do corredor. Não quis se levantar para espiar, suas pernas ainda doíam pelo dia anterior e todo o trabalho que teve para espalhar o cimento pelo pátio junto de outros prisioneiros, então só esperou, iria acabar descobrindo quem era o recém chegado no complexo masculino mais cedo ou mais tarde.

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