As Crianças

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 Em outros tempos, a calma dos dias que se sucedem teriam me assustado, mas agora apenas a aproveito o máximo que posso.

 As coisas parecem não mudar com a presença de Tom, e nossas rotinas se misturam de tal maneira que sequer percebemos a mudança. Fazemos a Yoga juntos, rindo quando o outro assume uma posição engraçada. Em determinado momento, esqueço que ele está em casa e canto desafinadamente pelos cômodos, ouvindo-o me acompanhar do outro lado das paredes. Testamos mais algumas receitas e não disparamos o alarme de incêndio nenhuma vez, apesar de ter que ouvi-lo reclamar que estou ficando melhor que ele na cozinha. Saímos para o mercado e brigamos pelo preço dos cereais, pela marca dos amaciantes de roupa e pelo saco de batatas fritas congeladas que escondo no fundo do carrinho, esperando que Tom não o encontre. Quando estamos no shopping, preciso criar uma lista precisa sobre "por que não devemos comprar um kit de tacos de golfe infantis".

 Tom só não me acompanha no sono, que parece triplicar nas últimas semanas porque toda noite demoro para arranjar uma boa posição para dormir. Quando acordo, ele já não está mais na cama; e quando cochilo durante o dia, não consigo detectar sua presença ao acordar, e preciso esperar longas horas até vê-lo passar pela porta da frente.

 Não demora muito até que eu descubra seu esconderijo: um barracão do lado de casa, uma pequena construção que meu cérebro simplesmente ignorou todo esse tempo. Infelizmente, na única vez em que me aproximei, Tom estava saindo e me impediu de entrar, anunciando que um bicho extremamente feroz iria usar os dentes para me cortar ao meio caso entrasse ali.

 — Você sabe que as crianças estão dentro da minha barriga, não? — falei curiosa, tentando espiar sobre seu ombro. — E que eu jamais comprarei essa história, certo?

 Mas ele agarrou meus ombros e me forçou a voltar para dentro de casa, dando o assunto como encerrado. Olhei para trás, arriscando uma espiada enquanto Tom me levava para a porta da frente, mas tudo o que encontrei foi o barracão fechado, fazendo minha frustração inflar.

 Quando o fim de semana chega, estou prestes a pegar no sono enquanto assisto uma competição culinária na TV quando ouço batidas na porta da frente. Ainda atordoada pela sonolência, sigo até lá a passos arrastados, sentindo os ligeiros movimentos na minha barriga enquanto giro a maçaneta.

 — Reyna Sullivan? — um entregador de uniforme azul está parado, atrás do que parece ser o maior buquê de lírios que já vi. Ele o estende para mim, despertando meus sentidos de imediato. — Pode assinar a entrega, por favor?

 Assino o termo com dificuldade e vejo o homem girar sobre os calcanhares antes que eu possa sequer lhe desejar uma boa tarde. A brisa fria de Novembro se infiltra pela porta, que sequer faço menção de fechar, e acaricia meus braços de tal forma que faz meus pelos se arrepiarem. Encontro um envelope branco no meio das flores e o apanho rapidamente, abrindo com dificuldade.

 "Sinto muito.

— M."

 Me apoio na porta, sentindo meu coração palpitar enquanto Josh e Theo se esticam com dificuldade no meu ventre, limitados pela falta de espaço. Há um curto instante onde o ar me falta e eu o puxo com toda a força que consigo, produzindo um guincho sufocado enquanto aperto os caules das flores por entre os dedos. Quando me dou conta, disparo para fora de casa e só então noto que estou descalça, já que as solas dos meus pés esmigalham as pedras no caminho da entrada.

 — Você não vai acreditar no que... — digo assim que me aproximo do barracão, mas logo paro onde estou.

 O buquê cai no chão, junto com o envelope e o bilhete.

All My Life | Tom Holland ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora