Um cigarro. É assim que começa meu dia. Normalmente eu tomaria uma boa xícara de café puro para despertar os ânimos, mas o Delegado Ricardo fez questão de me enviar para Santa Roseira das Cruzes, uma cidade pequena ao sudoeste da São Paulo, um pouco depois de Ilha Comprida, quase na divisa com Paraná. Ah! E um detalhe, sozinho, porque esse delegado filho da puta falou que era para não fazer os moradores se sentirem ameaçados... independente... claro que com a cobrança dele não tive outra opção a não ser sair logo.
Por sorte eu não tenho quem me espere na capital, no fim até penso em partir de la mesmo, vai que Deus está me mandando para Santa Roseira das Cruzes ver o lugar onde sempre deveria estar? Pensar nisso me faz rir.
Bom, sobre o caso, aparentemente uma garota desapareceu por uma semana e antes de ontem foi encontrada morta de jeito estranho, agora, isso é algo necessário para enviar um policial para uma viagem de quase quatro horas? Como não parece nada urgente fiz uma pausa no meio do caminho e tomei um café da manhã de verdade, cigarros não matam fome. Após minha pausa voltei a estrada e acendi o último cigarro do meu maço, claro que não sou bobo e trouxe meu próprio estoque.
A viagem foi assim, mais alguns cigarros, um pouco de rádio e às vezes minha própria playlist post punk para me distrair da voz dos radialistas. Quando se está entretido nessas coisas você nem vê o tempo passar, cheguei na cidade como num piscar de olhos, entrei na pequena cidade praiana, ela era fortemente cercada pelas matas em sua parte de trás, isso dava um grande contraste com a frente aberta da praia, passei por uma praça e parei ali para respirar um pouco, nela havia uma grande estátua de uma bela mulher com um vestido, uma espada em uma mão e na outra uma rosa, seus olhos e boca estavam costurados e em sua base estava escrito "Em memória de Maria Roseira das Cruzes e sua batalha incessante contra o mal oculto." Pensei um pouco sobre a frase, mas logo me foquei no meu objetivo, vi um rapaz sentado no banco a ler um livro me aproximei dele e pigarreei esperando sua atenção.
— Desculpe-me interromper rapaz. — Falei buscando ser o mais educado possível. — Poderia me dizer onde tem uma estadia?
— Boa tarde, senhor. — Ele falou colocando o livro sobre seu colo, era bronzeado, olhos castanhos escuros e cabelos escuros num corte militar, possuía um sorriso simpático e um olhar curioso me medindo de cima a baixo. — Virando aquela rua — Ele apontou para uma das ruas que saiam de volta para a praia. —, na praia tem uma pequena hospedaria, tem uma placa meio escondida escrita "Hospedaria Flores" mas tenho certeza que você vai enxergar. — Ele sorriu mais uma vez como se estivesse satisfeito com a própria explicação.
— Claro muito obrigado. — Me virei pensando em partir, mas dei de cara com aquela estátua novamente e me voltei, mais uma vez, ao rapaz que ainda me observava como se esperasse mais algo. — Sei que não tem muito a ver, mas por que dessa estátua?
— Maria Roseira das Cruzes, la para a primeira guerra mundial ela estava viva, dizem que um grupo de americanos se instalaram aqui buscando espalhar sua influência e dominaram essa cidade, vivíamos normalmente, mas ela descobriu o que eles faziam por trás dos panos, eliminando todo e qualquer pessoa que tentasse mostrar que só estavam aqui para nos explorar, então Roseira das Cruzes se levantou com seu pequeno grupo e lutou, pena que não viveu muito, um tiro a deixou incapacitada durante uma de suas investidas, com isso foi pega e, nessa mesma praça, foi morta, seus olhos e bocas costurados por ver de mais e falar de mais, como último pedido, que a deixaram escrever, óbvio, foram rosas, que abraçou como se sua vida dependesse daquilo e assim ela levou um tiro na cabeça... uma história triste.
— Então ela foi mártir para que a cidade se livrasse deles? Bonito. — Respondi olhando a estátua com um sorriso. — Bom, era só isso, desculpe incomodar, já vou indo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Caso Carla
Mystery / ThrillerUm detetive de São Paulo é enviado para uma pequena cidade chamada Santa Roseira das Cruzes para investigar um assassinato fora do comum.