Terça-feira, 8 de fevereiro de 1791

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Estou sentada há horas aqui no dormitório, pensando em toda a minha caminhada da meia-noite pelas ruas de Southampton como se isso ainda estivesse acontecendo, revivendo tudo. Não consigo decidir se foi a hora mais terrível de minha vida... Ou se foi, talvez, a mais maravilhosa...

De qualquer forma, a carta foi enviada para a sra. Austen e Jane está começando a mostrar sinais de melhora – quase como se soubesse que sua mãe está chegando. Parou de resmungar, de revirar-se agitada e seus olhos fecharam. Sua respiração ainda é muito ofegante. Chacoalha em seu peito e agora parece com o som de uma chaleira em ebulição. Vou para minha cama e me enrolo nos dois cobertores finos.

Mas continuo com medo de adormecer e quando acordar descobrir que Jane morreu. Preciso ficar acordada e vou me manter assim, escrevendo.

Não consigo parar de pensar no que teria acontecido comigo se não tivesse conhecido o capitão Thomas Williams na noite passada. Sei que corri um grande risco, mas valerá a pena se a mãe de Jane chegar a tempo.

Há outra coisa em minha mente, e parece até egoísmo pensar nisso com a Jane tão doente, mas não consigo evitar.

Sei que se alguém me reconhecesse nas ruas de Southampton, caminhando sozinha à meia-noite, estaria arruinada para sempre. Meu irmão, Edward-John, ficaria doente em estado de choque se soubesse disso, e sua esposa, Augusta, que sempre é tão correta,  provavelmente o conveceria a me expulsar e me mandar para as Índias Orientais ou algum lugar parecido.

Tenho a terrível sensação de que da próxima vez que a sra. Cawley nos levar para caminhar em Southampton, alguém irá se aproximar dela e apontar para mim e então toda história ficará conhecida...

Preciso pensar em outras coisas... Talvez deva escrever sobre o capitão Thomas Williams. Ele me disse o nome de seu navio – é o Boaventura, e já foi para as Índias Orientais.

É estranho, mas me senti tão à vontade com ele assim que começamos a conversar, que foi como se eu o conhecesse há muito tempo. Ele é órfão, igual a mim, e isso criou um vínculo entre nós. Quando lhe contei que meus pais estavam mortos, ele apertou meu braço de mansinho. Pude sentir seus braços musculosos por baixo do casaco de lã de seu uniforme.

Imagino que a vida no mar deva ser muito árdua – era tão grande e forte que me senti segura com ele. Adorei ouvi-lo contar sobre sua vida no mar, sobre o primo distante que morrera e lhe deixara uma propriedade na Ilha de Wight e sobre o tio almirante – e que homem severo ele era – que pensava ter cumprido seu dever com o sobrinho e a sobrinha órfãos, quando colocou o menino no colégio naval e a menina em um internato. Creio que o capitão Thomas deva ser um irmão muito bom porque me pareceu tão preocupado com a irmã, Elinor, a qual disse parecer um pouco comigo, com exceção dos cabelos que não são tão louros e os olhos dela são verdes. Ele é tão gentil. Parecia zangado quando que contou que Elinor estava infeliz no internato, onde o proprietário costumava dizer as meninas que elas podiam comer pão, mas somente cheirar o queijo. Estavam passando fome, disse ele. Pude sentir o ódio em sua voz ao me contar isso. Gostei muito dele quando me contou que a primeira coisa que fez quando soube da herança, foi levar a irmã para longe daquela escola onde estava desnutrida e a deixou morar em casa, com uma professora para ensiná-la.

Não conseguia evitar de pensar em Edward-John. Não acredito que se ele recebesse uma herança iria querer gastá-la comigo.

Porém não quero pensar nele ou em Augusta.

Quero pensar no capitão Thomas...

Aquele uniforme de capitão da Marinha lhe cai tão bem. O galão dourado destaca seus olhos castanhos e as dragonas de seu paletó deixam seus ombros ainda maiores. Sua voz é agradável, macia como veludo, como chocolate.

E quando chegamos na escola, ele me acompanhou subindo os degraus, beijou minha mão e então fechou a porta sem fazer ruído atrás de mim.

Não acredito que o verei novamente, mas sempre me lembrarei dele e do quanto ficava bonito em seu uniforme. Tentei esboçar seu retrato  – não ficou tão bonito quanto o próprio, mas a semelhança até que é boa, penso eu. Desenho é a matéria que mais gosto.

Ah, e ele me disse que poderia acertar seu relógio com o da diligência do correio e que a carta para minha tia estaria na pousada Deane Gate ao amanhecer. Ele pediu para que eu escrevesse “URGENTE” acima do endereço para que o dono da pousada enviasse a carta à paróquia Steventon imediatamente.

Até esperou para que eu pudesse ver com meus próprios olhos os homens carregando a diligência do correio com os sacos de correspondências, inclusive minha preciosa carta. Me contou que uma parte delas viera de seu navio, Boaventura, das docas de Southampton. Mostrou como os sacos eram carimbados com o nome do navio.

Tomara que o capitão Williams esteja certo ao dizer que a sra. Austen receberá a carta amanhã de manhã. Espero que ela chegue logo. Estava com tanto medo de que Jane morresse, mas agora estou mais esperançosa.

Há um minuto, Jane gritou como se estivesse sentindo dor, mas quando me debrucei sobre ela não demonstrou me reconhecer. Continua com febre alta. É tão estranho vê-la desse jeito – Jane que é sempre cheia de vida. Há apenas poucos dias ela estava pulando na cama, imitando a mãe:

"Jane, você não passa de uma desordeira, é isso que você é madame. E não olhe para mim com esse jeito insolente ou dou-lhe uma bofetada nos ouvidos. Henry, pare de rir dela; você a deixa desenfreada. Frank, pare com isso; pare, estou avisando. Charles, eu vi isso! Pedirei ao seu pai que fale com você se não tomar cuidado. Eu declaro aos céus que nenhuma mulher na terra tem uma família dessas! Não é de se admirar que meus pobres nervos estejam neste estado!"

Jane graceja de tudo. Acho que se não fosse ela com suas brincadeiras e amizade, eu jamais teria sobrevivido ás primeiras semanas aqui nesta escola horrível onde ficamos desnutridas a maior parte do tempo.

Sua mãe saberá o que fazer.

Eu fui a melhor amiga de Jane AustenOnde histórias criam vida. Descubra agora