Capítulo 1

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      Dormi por cerca de duas horas até o despertador das 6h20 me acordar às 7h16 da manhã. Sinceramente, nenhum relógio deveria despertar por tanto tempo. Fiquei olhando para o teto de gesso alguns minutos até sentar na cama, afastando as cobertas. Minha boca estava seca e os lábios ressecados prestes a se partirem por qualquer descuido. Odiava essa sensação. Sentia-me bem apesar da longa noite de investigação, até ontem parecia loucura pensar que perseguir alguém seria tão difícil e ainda mais pular um muro sem que ninguém o veja. Escapei por pouco e mesmo sem nenhuma paciência tive que procurar uma festa para encher a cara. Era certo que meu avô ficaria sabendo de alguma coisa dessa noite e era melhor, por ora, ser lembrado como adolescente festeiro do que de perseguidor esquisito que invade casas.

Hesitei em sair da cama. Sentado, estiquei o braço e peguei o celular na murada da janela e conferi a hora, era a mesma em que eu deveria estar sentado com os olhos fixos para uma senhora de cento e vinte anos à frente de um quadro que só os mais obstinados conseguiam ler. Soltei um suspiro inconsciente que mais dizia: estou ferrado. Porém, a realidade era que eu não dava a mínima para nada disso, não mais; na verdade, para muitas coisas deixei de me importar. E a explicação que para mim, foi a culpada de todos os meus erros e que para os outros se estendeu a somente alguns, era muito simples; meus pais morreram e eu sobrevivi, foram mortos e eu fui deixado para trás.

Para qualquer lugar que olhasse lá tinha um papel jogado, meu quarto parecia uma editora após a passagem de um furacão; e eu era esse furacão. Desviando de toda a sorte de objetos no chão parei diante de várias folhas penduradas na parede conectadas por linhas vermelhas, sei que é um baita clichê de investigador, mas nunca duvide do quão eficiente possam ser umas fitas adesivas coladas a uma folha na parede junto a algumas linhas de costura, Tony Buzan não duvidou. Essa era minha ocupação atual, organizar e esclarecer, ali tinha quase tudo que eu achava precisar para obter respostas: números, nomes e informações sobre os envolvidos no caso, o acidente... Sabia que não seria o suficiente, ainda assim, já era um começo.

Se estava no caminho certo, não fazia ideia, só não conseguia ficar sem fazer nada a respeito. Poucos entendiam isso, até eu mesmo, às vezes, falhava em compreender, porém, nas noites e manhãs quando deitava ou levantava da cama a cena surgia, incontrolável, trazendo-me essa motivação. Talvez fosse só questão de tempo, mas, ainda assim lá estava: num cruzamento parecido com todos que havíamos passado, estávamos saindo da cidade seguindo uma viagem em família. Mamãe olhava para mim e riamos de qualquer coisa que havia dito, logo o semáforo indicou passagem e seguimos adiante, instantes depois um carro atravessou o sinal vermelho acertando em cheio onde meu pai e eu estávamos, fazendo o carro capotar inúmeras vezes.

Apesar de não conseguir lembrar de toda a cena, algo daquele momento se fixou em minha memória. Não sabia ao certo como, mas podia ver nitidamente o rosto do motorista antes de nos atingir. Diziam que não era natural isso acontecer, e sem saber o que pensar continuei a persistir no assunto, isso somente para descobrir depois que o carro fazia uso de uma película fumê que escurecia os vidros. Bom, pelo menos naquele eu soube o que estavam pensando!

Fiquei alguns minutos sentado na beirada da cama até que voltei a mim, enchi os pulmões e peguei em cima da estante um caderno, talvez um diário quem sabe, o médico disse que seria bom escrever meus pensamentos num caderno e lê-los em voz alta, impossível, não iria fazer, de verdade, mas acabei sedendo a curiosidade. Envergonhado, comecei a reler num sussurro os últimos rabiscos. 

É certo dizer; não entendo muito da mente humana, se fosse diferente, se entendesse, talvez assim fosse possível achar alguma saída ou de alguma forma teria encontrado uma porta que pudesse transpor. Não sei se é normal alguém da minha idade saber tão pouco sobre si, ainda assim não acho que seria diferente se soubesse. Só queria por um momento poder abrir os olhos e sair dessa lembrança, mas sei que não sou capaz; sei por que nunca realmente precisaram estar fechados para recordar. Fugindo ao meu controle como tudo e qualquer resto.

Isso foi a dois meses e vai durar para a vida inteira. Diante do mapa mental na parede ouvi um barulho vindo lá de baixo e imaginei meu avô acordando, ele provavelmente pensaria que eu tinha saído para escola a essa hora. Não movi um músculo, queria que ficasse por isso mesmo. Inúmeras vezes percebi que meu velho não facilitava para mim, era muito insensível ao seu modo, porém já desconfiava que a convivência não seria fácil, estava acostumado e não me incomodava ter de ouvir o quão desarrumado estava meu quarto. Muitas das minhas coisas ficaram na casa dos meus pais e com tanto espaço vago, não me incomodava a sujeira ocupar o lugar. Amigos que não falava mais, mudança para uma nova escola, novos colegas, acho que nem por um momento isso me ocupava a cabeça.

Depois de poucos minutos de espera resolvi descer. Destranquei a porta e sai, meu quarto era o único da casa que ficava no segundo andara poucos metros do chão o que era muito conveniente quando tinha de fugir pela janela. Desci a escada consciente de cada degrau de madeira que rangia, no pé da escada olhei para o corredor, a porta do quarto dele estava fechada, relaxei, não queria ter de falar com ninguém. Menos de um minuto depois já estava na cozinha no meu terceiro copo d'água. Quando cheguei na sala tive que respirar fundo, uma baita bagunça que só um jumento poderia fazer, inacreditável, o que eu pensava ter sido uma ida direto para cama teve, na verdade, uma nojenta parada na sala de estar. Soltando um suspiro audível dei início a uma rápida arrumação e nessa monotonia comecei a repassar algumas informações importantes do caso.

  O mapa na parede do meu quarto estava tão fixo na memória que conseguia ver onde ficava a maioria das peças-chave. Havia três pontos relevantes, reuni na sala dois panos num balde e um frasco de perfume barato, estes eram: (1) meu pai, Théo Amorim, trabalhava na firma Comitê de Advogados e estava em um caso importante, defendia um tal de Erik Santos, costumava dizer que era um caso complicado. Isso ocorreu um pouco antes dele pedir férias para viajarmos juntos em família; (2) Heitor Aguiar, o motorista que causou o acidente, disse que o carro havia perdido o freio, isso foi confirmado logo depois por um mecânico. Já tinha passagem pela polícia por organização criminosa. Embora tenha fugido sem prestar socorro retornou minutos depois se entregando em uma delegacia local, alegou ter entrado em pânico... O caso foi erroneamente dado como Homicídio culposo já que o carro estava com a revisão em dia e tudo parecia para eles ser um trágico acidente, também no final a fuga não foi considerada. Ficou preso até pagar fiança. Tinha seu rosto fixado em minha memória tão bem como qualquer outro. Não consegui encontrar mais nenhuma informação dele, só queria poder encontrá-lo mais uma vez! (3) instantes depois do acidente fui levado ao hospital e fiquei sendo medicado por alguns dias. Meu tio Pablo que foi o investigador caso chegou dias depois querendo saber como eu estava e o que havia acontecido, após relatar todo o incidente (ou pelo menos o que consegui lembrar) segui contando logo o que achava, que não fora um acidente e que meus pais foram assassinados. Honestamente, não tinha nenhum fundamento, mas mantinha um grande ódio da situação e queria que o culpado sofresse. Dentre todas as negativas foi o olhar do detetive que me fixou a ideia de que poderia estar certo, porém não consegui tirar nenhuma informação dele. A maioria dessas informações, não sendo pessoais, tirei de alguns jornais online, muitas perguntas, e ligações, queria que parasse por aí, mas sei que só é o começo.

Depois da última cadeira no lugar fiquei satisfeito, não ficou perfeito como antes, no entanto, era o melhor que podia fazer. Subindo as escadas sentir que uma ideia estava prestes a surgir, mas não dei importância e segui para cama sabendo que de qualquer maneira teria de me aprofundar muito mais nessa estória.

Primeiramente obrigado(a) por ler, só gratidão!  >|---|>  Aceito sugestões e críticas, caso queira conversar sobre aspectos da história mande mensagem pelo meu perfil.

Aproveite o próximo capítulo :D

Dois Gumes de uma Verdade - CONTOOnde histórias criam vida. Descubra agora