Capítulo 41

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São Tiago de Compostela — Outono, Novembro de 835 d.C.

A Ordem dos Cavaleiros de São Tiago de Compostela havia voltado para a cidade, a fronteira estava relativamente calma em razão da rebelião que ocorria em Al-Andalus e colonos cristãos começavam a se instalar nas terras férteis, porém abandonadas.

Irmão Rodrigo convocara todos os integrantes da Ordem, um acontecimento inesperado ocorrera e todos deveriam decidir o que fazer.

— O Bispo de Compostela e o de Oviedo condenaram a Ordem junto ao rei Afonso – começou explicando irmão Rodrigo para os cerca de trinta principais cavaleiros, entre eles Juan, reunidos na igreja da cidade, vazia àquela hora da noite e iluminada por velas e castiçais.

— Isso é um acinte! – reclamou um dos irmãos — Nós lutamos pela Igreja e pelo rei!

— Eu sei, o rei reconhece e aprecia nossos serviços, mas os bispos reclamaram diretamente com o Papa Gregório27, nos acusaram de heresia!

Os gritos de revolta se tornaram mais altos, com dificuldade irmão Rodrigo conseguiu que o silêncio imperasse novamente.

— O rei precisa da Igreja, é ela que mantém o reino unido, por isso ele nos deu uma opção.

— E qual seria? – gritou uma voz revoltada.

— Extinguirmos a ordem e nos juntamos ao exército real – disse com voz cansada.

Os gritos e acusações reverberam pelo local. Quando o barulho se tornou menor, Juan se manifestou.

— E se recusarmos?

— Seremos considerados hereges e condenados à morte – respondeu e um pesado silêncio tomou conta da Igreja.

Ao final da noite foi decidido que quem desejasse seria liberado dos votos e poderia partir, os que não quisessem se reuniriam com Rodrigo que decidira fazer uma peregrinação à Jerusalém e depois até Roma onde tentaria uma audiência com o Papa.

Quando todos se retiraram. Rodrigo que ordenara que Juan continuasse na Igreja e se dirigiu até ele.

— Me juntarei a você – afirmou o jovem antes que o cavaleiro mais velho dissesse algo.

— Sinto muito, irmão – cortou Rodrigo — uma das exigências do rei para que não fossemos condenados por heresia é a que você deve voltar para Luco de Ástures, onde seu pai e sua futura esposa o aguardam.

— Como? – perguntou espantado.

— Seu pai aconselhou o rei, aliás, foi graças a ele que não fomos imediatamente presos em Oviedo – explicou constrangido.

— Com quem ele quer me casar? – rosnou irritado.

— Com a viúva de seu irmão.

— Eu pretendo manter meu voto de castidade – afirmou se recusando a tomar parte dos planos do pai.

— Juan, seu coração nunca esteve comprometido com esse voto, o amor que você sente pela guerreira berbere sempre o impedirá de ser sincero nessa questão – afirmou e ergueu uma mão impedindo o jovem de protestar — Diga– me com sinceridade, se a ocasião aparecesse você não correria para os braços dela?

O jovem pensou e se recordou do último encontro, ele implorara para que Jamila fugisse com ele, teria até mesmo praticado o pecado do adultério no chão frio da capela.

— Amar dessa forma não é pecado – continuou Rodrigo ao perceber como ele ficara mortificado com a verdade — pecado é você se enganar e tentar enganar Deus.

— Mas como posso me casar com a viúva de meu irmão? – perguntou angustiado.

— Talvez criar uma família o ajude a exorcizar o que o consome por dentro – orientou com um sorriso — Além do mais, você se tornará um oficial do exército real e indiretamente, combatendo os muçulmanos sob a bandeira do rei, você estará cumprindo o juramento que fizeste.

Juan meneou a cabeça indeciso.

— Pense na proposta, em todo caso a Ordem está temporariamente extinta, dento de cinco dias viajarei para Jerusalém e depois, se Deus permitir, irei até Roma para convencer o Papa de autorizar nossa Ordem, se isso ocorrer e você ainda quiser, pode se juntar a nós novamente – concluiu convidando o jovem a sair da igreja com ele.

No dia seguinte Juan cavalgou de volta para Luco de Ástures.

Apesar de suas dúvidas seu casamento se realizara, seu pai ordenara que ele desposasse a viúva de Manoel, se ele não o fizesse ela e o neto iriam embora da cidade, pois o pai dela, um nobre com laços de parentesco com o rei, queria dá-la novamente em casamento.

— Não permitirei que meu neto deixe meu castelo, ele é tudo que me sobrou de Manoel – rosnara — Você agora é meu único filho, está na hora de assumir suas responsabilidades para com nosso Ducado.

O jovem percebera o quanto seu pai temia ser privado do neto a quem idolatrava, mas ainda assim estava indeciso, deveria aceitar um casamento sem amor? Casar– se com a viúva de seu irmão Manoel? Irmão Rodrigo com a anuência do bispo de Compostela revogara os votos que todos os cavaleiros da Ordem fizeram.

Agora Juan era novamente livre, mas ainda amava Jamila, e esse amor era impossível, pois ela era uma mulher casada e deixara claro que jamais cometeria adultério.

Quem resolvera o impasse fora Madalena. Durante uma noite de tempestade, dias depois que ele chegara ao castelo ela bateu na porta de seu quarto.

Ao abrir a porta Juan se espantou. A viúva de seu irmão usava uma camisola comprida que chegava até os pés, mas o tecido era transparente e, apesar da pouca iluminação do quarto produzida por velas de sebo e de uma pequena lareira, seu corpo curvilíneo era perfeitamente visível.

Tinha que admitir, ela era uma bela mulher, seus cabelos loiros como o trigo estavam soltos e seus olhos verdes pareciam brilhar. Diante da indecisão dele ela simplesmente entrou, fechando a porta atrás de si.

— Madalena, eu... – gaguejou — aconteceu algo com o pequeno Felipe? – perguntou se referindo ao sobrinho.

— Não, Juan, ele está bem, uma aia dorme com ele...

— Então...

— Eu vim para dizer que concordo com o desejo de seu pai em nos casar – murmurou se aproximando dele.

— Madalena, eu não a amo – explicou sentindo o suave aroma do corpo dela.

— E eu sempre amarei Manoel, mas ele morreu, não desejo ser dada em casamento para um velho em Oviedo, como meu pai deseja – explicou e avançou um passo quase colando seu corpo ao dele, que usava apenas uma camisa de algodão e uma calça de dormir — Eu estou viva, tenho vontades e necessidades, e sempre o achei um homem nobre e belo, além de inteligente, adoraria me casar com você, sei que você será um bom marido e um ótimo pai e eu poderei fazê-lo feliz, quem sabe com o tempo não venhamos a nos amar?

— Madalena... – arfou Juan sentindo o desejo incendiar seu corpo.

Ele amava Jamila com todo seu ser, mas ela estava nos braços de Suleymán, inacessível para ele. O desejo que sentia de tê-la era como um suplício que às vezes fazia seu corpo arder como mil fornalhas de um ferreiro. Até àquele dia ele conseguira evitar a tentação da carne, mas agora, desobrigado de seus votos, sabendo que jamais teria novamente Jamila junto a si, seu espírito e determinação vacilaram.

Madalena pareceu perceber o tormento interno dele e enlaçou seu pescoço, os seios com os mamilos turgidos pressionaram seu peito. Apesar dos tecidos que os separavam ele sentiu– os como se dois ferros em brasa queimassem sua pele. Os olhos dela brilhavam com a luz mortiça do aposento, seus lábios rubros estavam entreabertos.

— E você Juan, está vivo ou morto? – perguntou com um sussurro rouco e o beijou nos lábios.

O casamento ocorreu uma semana depois, celebrado por um feliz padre Paulus. O Duque ofereceu um banquete e o rei Afonso enviou um representante acompanhando o pai de Madalena que parecia feliz com o enlace. 

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde histórias criam vida. Descubra agora