Capítulo 48

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Galiza — Inverno, Fevereiro de 836 d.C.

Jamila chegou ao acampamento de Mahmud na Galiza e a primeira providência que tomou foi procurar os filhos os quais abraçou e beijou inúmeras vezes, em seguida convocou Yusuf à sua tenda.

Seu velho mentor estivera na companhia de Brunilde, ele não as acompanhara até Oviedo, ficando no acampamento protegendo os gêmeos. Ao entrar no local com um sorriso no rosto, mas ao ver a expressão de dor em sua fisionomia seu sorriso morreu.

— O que aconteceu? Você não está assim apenas por causa da discussão com seu irmão...

— Não, meu amigo, quanto a isso estou tranquila, convocarei todos e avisarei que estou indo para o sul combater o Emir – respondeu.

— Sei que muitos a seguirão – afirmou com certeza. Brunilde lhe contara os planos de Jamila de abandonar o irmão — Então o que a aflige?

— Não posso levar comigo meus maiores tesouros – respondeu apertando os gêmeos entre seus braços — Peço-lhe um favor, meu amigo, leve-os até Juan, ele agora está casado, tenho certeza que ele cuidara dos filhos junto com a esposa.

— Alá misericordioso – murmurou condoído com a expressão sofrida de sua pupila. Ele sabia o quanto ela amava o jovem asturiano e sua esperança de que com a viuvez, talvez pudessem viver plenamente o amor que sentiam um pelo outro — Farei o que me pedes, se essa for a vontade de seu coração.

— Escreverei uma carta, prepare a viagem, leve a aia de meus filhos, ela é uma boa mulher que conheço há anos, e quantos guerreiros precisar para escoltar – pediu com um sorriso triste enquanto acariciava os cabelos das crianças que tentavam escapar de seus braços.

— Prepararei a viagem imediatamente, levarei apenas duas escudeiras, é melhor não chamar atenção – ponderou Yusuf.

— Faça isso meu amigo – concordou com lágrimas nos olhos.

Enquanto Yusuf saía para preparar a viagem ela chamou a aia e explicou que viajaria com as crianças, ordenando que preparasse a bagagem. Enquanto a mulher começava a pegar roupas e objetos dentro da tenda, colocando-os em uma sacola de lona, Jamila pegou um pergaminho e usando uma pena e tinta escreveu uma carta para Juan, em seguida a lacrou esquentando um pedaço de cera e apertando um sinete que pertencera a seu falecido pai, símbolo de sua posição como Sheik do clã.

Uma hora depois Yusuf voltou avisando que a carroça em que viajaria estava preparada, havia mantimentos suficientes para a viagem e as nórdicas viajariam nela, disfarçadas de simples camponesas, mas armadas por baixo de seus mantos.

A despedida fora um dos momentos mais difíceis da vida de Jamila, a dor que sentia com a separação era comparável com o que experimentara com a morte de seu pai, ou a separação de Juan. Mas ela estava determinada a seguir para o sul para combater o Emir, caminhava para a guerra e não deseja arriscar a vida de seus filhos.

— Que Alá os tome sob sua guarda e os proteja, eu os amo mais do que minha própria vida – murmurou abraçando-os e beijando-os.

Em seguida colocou-os na carroça, onde a aia os pegou no colo.

— Até breve, minha menina – despediu-se Yusuf.

— Até breve, meu amigo – respondeu Jamila beijando-o em ambas as faces.

Com o coração partido e a alma despedaçada ela observou a carroça se afastando com seus filhos corando e estendendo os bracinhos em direção a ela. Yusuf seguia ao lado da carroça, montado em um garanhão.

Quando eles sumiram no horizonte ela voltou-se para Brunilde que viera se despedir do pai.

— Agora, minha amiga – disse enxugando as lágrimas — Vamos ver quem nos acompanhará para a guerra.

A assembleia ocorreu no meio da tarde. O sol brilhava forte, apesar do vento gelado que soprava, quando ela subiu em uma carroça e observou em volta.

Haviam soldados que ela conhecia desde a infância, muitos eram do clã e da região de Mérida e acompanhavam seu irmão, outros eram homens de Suleymán que a seguiram após a morte dele, além das mulheres de sua cavalaria, treinadas em sua maioria por Brunilde e suas escudeiras, com essas ela sabia que podia contar.

Quando todos estavam reunidos e as conversas se tornaram apenas um murmúrio ela começou seu discurso.

— Estou aqui para contar-vos o que meu irmão decidiu, em breve ele estará aqui e se dirigirá a vocês - começou em voz alta - A partir de hoje eu não mais estarei com ele, divergimos quanto ao destino de nosso povo.

Os murmúrios aumentaram de tom e ela ergueu os braços pedindo silêncio.

— Ele se aliou ao rei cristão que lhe cedeu um castelo para onde os levará - continuou ao ver que chamara a atenção de todos - Mas eu não esqueci o que o Emir e Jamal são responsáveis pela morte de meu pai e esposo, e de muitos nobres guerreiros! Por isso vos digo; eu voltarei para o sul e combaterei as tropas do Emir onde quer que elas se encontrem em uma luta sem quartel ou piedade!

Alguns gritos de incentivo foram ouvidos e Jamila continuou.

— Quem quiser me acompanhar será bem vindo, quem não quiser não guardarei mágoas, mas não deverá trazer a família junto, pois não nos esconderemos em castelos ou cidades, viveremos como nossos antepassados berberes, vivendo em tendas a cada noite pousando em um local diferente - avisou passando o olhar pelos soldados e famílias reunidas. Percebeu crianças e mulheres ao lado de guerreiros, sabia que não podia levá-los, ainda que quisessem.

Um vento forte começou a soltar fazendo a ponta do turbante, que usava cobrindo sua cabeça e que envolvia seu pescoço caindo sobre as costas, começou a chicotear no ar.

— Eu sei que muitas famílias desejam me seguir e agradeço-as de coração, mas não posso aceitar, pois eu mesmo tive que enviar meus amados filhos para um lugar onde eles poderão crescer em segurança, não posso ter a morte de mulheres e crianças em minha consciência, já me basta minhas guerreiras que me acompanham lealmente.

Por um momento seu coração doeu no peito e sua determinação vacilou, mal haviam partido e já sentia uma saudade atroz dos gêmeos, eles eram sua vida, eram o motivo pelo qual lutava e seu único consolo. Agora, pela segurança deles, rezava para que Juan os recebesse e os amasse tanto quanto os amava, afinal eram o fruto do amor deles.

O murmúrio aumentou de tom mostrando a divisão que existia nos guerreiros reunidos.

— Partirei antes do crepúsculo, aqueles que quiserem me acompanhar estejam preparados! - disse encerrando a assembleia e saltando da carroça.

Brunilde meneou a cabeça afirmativamente encarando-a com um sorriso.

— É tempo das Valquírias terem sua colheita de almas de guerreiros novamente - rosnou com um sorriso feroz enquanto caminhava ao lado de Jamila.

Mortes, muitas aconteceriam, pensou consigo mesma a guerreira berbere. Ela levaria o caos até o Emir e se Alá permitisse encontraria Jamal em combate e o mataria. 

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde histórias criam vida. Descubra agora