Há uma curta gota de suor nascendo na penumbra abaixo da minha testa, ela é gelada e frigida, se formando com a ajuda dos meus poros que expeliram pequenas gotículas no momento em que me preparo para tentar por mais um curto instante. Então, engulo seco e me esforço pela décima vez. Sem resultado. A gota escorrega pela lateral do meu rosto fazendo um caminho desgrenhado em minha pele. No momento em que minhas pálpebras se cerram, posso sentir ela deslizar como uma bailarina por meu pescoço, se perdendo na linhagem do travesseiro estofado abaixo da minha nuca. Os calafrios juntos aos arrepios durante sua dança eram aterrorizantes. Havia um cheiro mórbido em tudo isso, algo não estava correto, meu temor indicava o problema, certo? Tento não pensar no pior, chacoalho minha cabeça em uma forma de tentar fazer com que as ideais negativas sumam e me esforço pela décima primeira vez. Droga, por que diabos você não se lembra? Me culpo por tudo ser branco: minha história é um completo vazio, assim como folhas de um caderno novo, assim como meu rosto, como as vozes que já ouvi e gostos que já provei. A minha identidade não existe. Me esforço pela décima segunda vez. E, novamente, branco! Não há percurso de memória, é um completo e extenso vazio, onde não existe nomes, cheiros, endereços, referências ou vontades coletivas e individuais. Como foi meu período na educação nos primeiros estágios do colégio? Como foi meu primeiro namoro? Meu momento mais devastador? Eu não me recordo. A propósito, seria estranho que eu me recordasse? Eu não consigo dizer com clareza, talvez sim, afinal poderia fazer muito tempo, mas, e sobre as outras coisas? E sobre meus amigos, minha família, minha história atual? O que eu fiz semana passada? Me esforço pela décima terceira vez. O que eu fiz ontem? Me esforço pela décima quarta vez. Do que eu gosto? Me esforço pela décima quinta vez. O que eu sou? Me esforço pela décima sexta vez.
Meus olhos se abrem e sinto o ar invadir meu pulmão de modo impetuoso, descendo pelo canal respiratório como um carro desgovernado, isso me faz perder o ar por não saber controlar a minha respiração - por não ter controle sobre a situação, por não saber quem eu sou. É tudo um completo e assustador branco em meu cérebro, sem nenhuma pista para abarcar minhas dúvidas, a única coisa que vai contra isso é a dor pulsante que sinto em meus ossos, junta as diversas cicatrizes espalhadas pela minha pele como tinta em um quadro. Algumas eram mais profundas e ainda em processo de cicatrização, já outras pareciam recentes, o que me levou ao sentimento controverso de que, embora eu esteja preocupada por aquelas marcas não cicatrizadas, ao mesmo tempo estava feliz por ter algum tipo de história que poderia me ajudar a entender o meu passado, ou o motivo de não saber sobre ele pelo menos.
Meus ossos se rangem junto a madeira da cama, eu sinto a dor arder debaixo da minha carne quando movimento meu rosto sutilmente em direção a janela, aquela janela empoeirada com barras de ferro grossas o bastante para não serem quebradas facilmente. Alguma pessoa não quer deixar que alguém entre, ou não quer deixar que alguém saia. Meu corpo se estremece ao pensar sobre isso, a dor dá espaço para o temor e o temor dá espaço para o questionamento: seria eu a pessoa que esse alguém não quisesse que saísse? É apenas mais uma paranoia minha, digo a mim mesma analisando o céu nublado que anunciava uma terrível tempestade. Encaro então o vento, balançando os galhos das arvores que dançavam no ar, levando suas folhas secas se despendurarem e se desvairem pelo meu campo de visão, desaparecendo uma por uma conforme a ventania as golpeiam.
Com certo esforço me ergo na cama e, estranhamente, sinto a necessidade de ser o máximo cuidadosa possível para não fazer nenhum barulho, mas eu estava tomando cuidado de que? Ou de quem? Esse medo era somente por causa das grades estupidas?
Não demora muito para meus pés tocarem no chão enquanto meus dedos da mão tocam meu braço direito, acariciando algumas das cicatrizes e o massageando em pontos específicos, os quais latejam. Eu estava tentando me aliviar com uma massagem, o que era completamente ridículo, visto que a dor é integral e em cada centímetro, claramente potencializada ainda mais pela força exercida ao me colocar sentada no colchão.
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We Are Family, Right?
HorrorApós perder sua memória em um acidente grave, Flora acorda em uma floresta deserta sem se recordar do seu passado. Ela então é recebida por uma família de caipiras que residem naquele local, os quais afirmam que são seus parentes. Entretanto, Flora...