Meu sobretudo escuro estava todo salpicado de neve que começara a cair há uns dez minutos, minhas mãos mesmo envoltas pelas luvas pareciam uma pedra de gelo, e apesar do frio, as ruas estavam cheias e movimentadas. Nada atípico para o final do ano. Dali dois dias começariam as datas festivas, aquelas que há um tempo não consigo ter tanta afinidade. Parada em frente uma padaria, olhando todas aquelas delicias da vitrine, pensando qual levarei para casa, percebo meu telefone tocando e me apresso para pega-lo.
O nome de Beth brilha, uma parte de mim se afunda, um frio ainda maior sobe pela minha espinha. Ela não me liga desde que...
- Beth? – atendo antes que a coragem vá embora.
- Olá, minha querida! Como vai? – a voz dela era suave, bem como me lembrava.
- Estou bem! Aconteceu alguma coisa? – minha voz já estava um pouco trêmula.
- Oh! Não! Está tudo ótimo! Eu gostaria de te fazer um convite. – ouvi um sorrisinho, temendo o que estava por vir. – Sei que há um tempo isso não acontece, e sei também que você pode ter outros planos, já que está um pouco em cima, mas vi que está na cidade e pensei em te chamar para vir passar a noite de natal conosco? Sentimos sua falta.
Respirei fundo.
Apesar de todas as coisas boas que sentia referente a Beth e sua família, ela abria também minhas maiores feridas, uma delas a falta dos meus pais. Mas eu sabia que já era tempo de superar todos os meus traumas e minhas faltas.
- O que me diz...?
- Topo! – disse por fim.
Conversamos por mais algum tempo, sem entrar em muitos detalhes, apenas falando sobre os preparativos. Algo em mim foi acionado, um leve resquício de animação, talvez. O primeiro em dois anos. Nesses dois anos, muitas coisas aconteceram, a vida me dando socos e socos um atrás do outro, mas eu não podia ficar remoendo isso pra sempre.
Os dias se passaram, e passava um pouco das oito da noite quando estacionei meu carro em frente a propriedade, toda enfeitada com luzes que piscavam incessantemente, laços e a guirlanda milimetricamente posta no centro da porta branca.
Antes de sair do carro, olhei para o outro lado da rua, duas casas mais a frente, a casa onde passei minha infância e início da juventude, até que meus pais decidiram mudar mais para o centro. Uma lembrança boa daquele tempo me dominou e arrancou um sorriso bobo.
Respirei fundo, peguei os presentes e tudo que era necessário. Senhor Jhon me atendeu ao primeiro toque da campainha, um sorriso largo e um abraço apertado receptivo me acalmou do nervosismo que estava prestes a se instalar. O cheiro de biscoitos natalinos e o aroma amadeirado característico da casa, proporcionaram uma sensação boa. Luci estava com a bebê no colo, e seu marido terminava de se arrumar no andar de cima. Luci é a minha melhor amiga desde que me entendo por gente, praticamente uma irmã mais velha, as diferentes escolhas da vida nos fizeram nos afastar, mas não nos tornar menos amigas.
- Hey, Alli! Olha só quem chegou! Tia Laura está aqui! Parece até mentira, não é mesmo? – ela não perdia a oportunidade de jogar a pouca frequência de visitas na minha cara. Alli obviamente não se importava, ela só tinha cinco meses.
- Alli, querida! Fale para sua mãe que Tia Laura não pode fazer nada se vocês moram há quatro horas daqui. – a bebê ainda estava de olhos fechados, mesmo com nosso tom de voz normal.
Luci me abraçou forte rindo e ao mesmo tempo resmungando, coisa que sempre fazia quando estava comigo.
- Vai lá ver mamãe, ela está na cozinha! Vou terminar de colocar esse pequeno ser para dormir. – olhou orgulhosa para sua filha.
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