CAMILA

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Aali pediu pra que eu a acompanhasse na químio hoje, não sei dizer ao certo o porquê mas acho que tem a ver com o fato de a mãe dela chorar horas a fio depois que ela dorme à noite.

Meu sogro não pôde vir com ela, precisou trabalhar hoje e Shawn... bom, Shawn não tem a melhor estrutura pra estar aqui agora. 

Eu entendo. Entendo essa dor que queima toda a família por dentro. Entendo porque também a sinto mas pude ver nos olhos de minha sogra o grande conflito entre o agradecimento e a decepção.

Ela estava grata por não precisar ver Aali se sujeitar a mais uma seção de tortura contra o câncer mas estava ligeiramente decepcionada pela filha não a ter quisto naquele momento junto a ela e sim a mim.

– Mila, vou te apresentar à Katlin. Ela é muito legal e sempre me empresta um ursinho quando mamãe esquece o meu em casa.

– Que bom, Aali. - acariciei suas bochechas rosadas, inspirei fundo e adentrei a ala infantil do hospital de câncer.

– Aaliyah! Trouxe uma amiga nova pra nos conhecer?! - uma enfermeira nos recebeu e logo suspeitei que ela fosse Katlin quando reparei em dois ursos em suas mãos.

– Essa é a Mila! Ela namora meu irmão.

– Ah, sim! - sorriu para mim e me estendeu a mão. – Sou Victoria. Sou eu quem furo essa mocinha todo mês!

Apesar de sua voz demonstrar alegria e entusiasmo, ao proferir tais palavras vi em seus olhos um lampejo de dor, desespero e dó.

– Mila, ela é a mamãe da Katlin e ela fura meu bracinho só uma vez! - sorriu estendendo o bracinho para que eu visse o pontinho vermelho arroxeado na região.

Engoli o nó que se formou em minha garganta e segui, junto a Aali, Victoria até a sala de químioterapia.

Sentei ao lado de Aali e observei Victoria preparar toda aquela parafernália que prometia curar minha menininha.

A enfermeira injetou a agulha e Aali fechou os olhos enquanto apertava minha mão.

– Tia Vic, onde está Katlin? - Victoria suspirou pesarosamente, encarou minha menina e sorriu.

– Ela foi fazer uma cirurgia, Aaliyah.

Aali acenou com a cabeça enquanto a enfermeira se afastava e eu fiquei me perguntando se ela, verdadeiramente, sabia o que "cirurgia" significava.

Em pouco tempo ela adormeceu e só então eu tive coragem de me levantar do lado dela, eu precisava ir ao banheiro o mais rápido possível.

É estranho perceber que eu só notei as outras cinco crianças presentes na sala durante minha caminhada até o banheiro. Quer dizer, eu vi que haviam outras crianças ali mas não havia reparado com exatidão em nenhuma delas. Apenas em Aali.

Dois garotinhos e três garotinhas de idades bastante diferentes. O mundo é cruel, como pode seres regados de inocência e amor serem dominados por tamanha crueldade?

Voltei a me sentar ao lado da minha cunhada e com o movimento repentino ela despertou.

– Mila, eu sonhei com você. - sua voz era fraca e, por mais que eu soubesse que isso se devia pelo fato de ela ter acabado de acordar, minha mente t traiçoeira não pode deixar de pensar que ela estava fraca pelo que estava sendo injetado em seu frágil corpinho.

– Me conte, hum... como foi? - ela sorriu.

– Tinha um bebê na sua barriga e você dizia que era um menino! - riu de maneira gostosa e divertida.

– E qual o nome desse bebê?

– O maninho não quis me dizer, mas você estava errada, Mila! Era uma menina.

– Uma menina? Que legal, Aali! Tenho certeza que você, ela e Sofi seriam muito amigas.

– O nome dela podia ser parecido com o meu! Isso seria muito legal. - seus olhinhos brilharam em expectativa enquanto ela me encarava.

– Um nome parecido com o seu? Como o que? Aila?

– Não! Não gosto desse. - colocou seu pequeno dedo indicador no queixo e me encarou – Gosto de Alya, o que acha?

– Quando eu e seu irmão tivermos uma filha vamos considerar essa ideia, ok?! - beijei sua testa e ficamos em silêncio nessa posição por um tempo.

– Mila, o que Katlin foi fazer?

– Ela foi fazer uma cirurgia Aali

– Eu não sei o que é uma ciru- cirugi- cirurgia.

– O corpinho da Katlin tinha alguma coisa errada e o médico foi abrir com um corte bem pequeno pra poder concertar.

– Ela foi ganhar um rim novo? - a olhei confusa. Ela sabe o que é um rim? – Katlin disse que tem bichinho no rim. Ele fica na barriga! Ela disse que precisava de um novo. Ela foi ganhar?

– Eu acho que sim, Aali.

– Meu irmão pode ganhar um olho novo?

– Um olho?

– Sim. Ele tem bichinho no olho por isso não enxerga! Será que ele pode ganhar um olho novo? Eu queria dar um dos meus olhinhos pra ele.

– Oh, meu bem. Você não pode dar um dos seus olhinhos pra ele.

– E por que não?

De onde saem tantas perguntas difíceis? Um rim a gente doa estando vivo mas olhos? Não acho que um médico tiraria um olho saudável de uma pessoa viva para dar a um deficiente.

Eu nem ao menos sei se Shawn pode fazer uma cirurgia. Preciso ir mais a fundo em minhas pesquisas.

– Porque você precisa deles.

– Mamãe diz que boas meninas dividem as coisas. Eu tenho dois, posso dar um ao Shawn! Eu posso, não posso? - sua voz calma não passavam o peso que essa conversa tinha. Não suportei continuar o assunto e, acariciando seu rosto, apenas sorri.

– Talvez quando você estiver maior, Aali.

A sessão de químioterapia não foi tão demorada como o habitual e Aaliya saiu do hospital hoje com um nível de cansaço bem inferior ao das sessões anteriores. Espero que isso seja um sinal positivo. Espero que seja um sinal de cura.

Encontrar com Shawn foi difícil. Era impossível não lembrar da voz doce de Aali me dizendo que queria doar um de seus olhinhos ao irmão.

Pensei em contar a ele sobre isso mas recuei, não acho que ele tenha estrutura pra escutar isso no momento. Quem sabe no futuro?!

Estávamos deitados em uma toalha estendida no gramado dos fundos da casa dele. Eu admirava o céu e ele apenas respirava enquanto fazia um carinho gostoso no topo da minha cabeça.

– Não quer me contar nada de como foi hoje? - sua voz era calma mas transmitia uma leve curiosidade.

– Não houve nada demais. - mentira. – A amiguinha de Aali foi fazer um transplante de rim e ela ficou me perguntando o que era uma cirurgia e eu fui tentando explicar pra ela de forma não traumática. Não sei se consegui mas tentei!

– Eu sinto que não está me contando tudo, tem mais alguma coisa? Ela está piorando? Vc chegou tão calada de lá.

– Ela queria saber se você não pode ganhar um olho novo já que Katlin ganhou um novo rim. - fechei os olhos e respirei profundamente.

– Já me foi oferecida a cirurgia mas eu sempre tive medo.


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Oiiiiii. Estou de volta!! Feliz ano novo pra todos vocês! Que 2021 traga o que 2020 não trouxe. Obrigada a todos que não desistiram da história e, aos que chegaram agora, sejam bem vindos!

Aproveitem esse capítulo, me desculpem os erros e lembrem-se Jesus ama vocês e eu também!

Paixão às Cegas.Onde histórias criam vida. Descubra agora