Capítulo Único

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Cinco dias. Parecia quase inacreditável o quanto minha vida havia mudado nesse curto período de tempo. No quanto eu mudei.

Abri os olhos com dificuldade, me encontrando novamente no sofá encardido - em grande parte por minhas lágrimas - da sala, a garrafa de tequila, vazia, ainda em minha mão.

Tinha perdido a noção do tempo de novo.

Ponderei sobre continuar ali ou enfrentar a realidade para ao menos jogar aquela garrafa fora. Se eu não me esforçasse, seriam dois caixões para meus amigos carregarem. Duvidava que sentissem o mesmo peso que eu, mas de qualquer maneira não deveria ser algo leve.

Me encaminhei para a cozinha, passando pelo quarto com a porta ainda fechada. Me detive diante dela, ainda em um conflito interno sobre ignorá-la novamente ou abrir a ferida ainda exposta. Afinal, as coisas dela precisariam ir para algum lugar, disseram seus amigos.

Sem pensar em mais nada, abri a porta.

E vi os lençóis ainda revirados, a caixa de doces ainda aberta no chão, com uma metade devorada por nós e a outra por formigas. Não pude, porém, me mover para pegar o inseticida.

A essa altura, achei que as lágrimas já teriam acabado. Estava enganado.

Só ao sentir mais uma vez aquele perfume, ao olhar para a cama e me lembrar vagamente da última vez em que a vi ali... e no porquê de eu não conseguir mais dormir naquele quarto. Eu devia ter impedido, devia ter insistido para que ela ficasse... mas agora era tarde para lamentar. Me restava aprender a viver com a dor e a culpa.

Se eu não tivesse discutido com ela...

Me lembrei da garrafa em minha mão e, em um ímpeto, a atirei na parede. Os estilhaços voaram longe, mas não me importei. Não quando a dor me dominou e me ajoelhei no chão, deixando que me corroesse. Que me lembrasse do que eu fizera.

Um toque do telefone me trouxe de volta à realidade - que não era muito melhor. Uma ligação me lembrando que o enterro seria no dia seguinte. Tudo passara tão rápido naqueles últimos dias...

Me lembrei de outra ligação. De sua mãe, chorando, contando sobre o acidente, implorando para que eu fosse ampará-la. Meu corpo se moveu sozinho, mas não foi o suficiente. Não foi rápido o suficiente. Afinal, ela estava um pouco alterada. Se estivesse bem, teria visto o sinal fechado e o cruzamento que se estendia à frente.

Eu a matei.

A palavra doía mesmo em pensamento. Acho que, no fundo, eu ainda tinha esperança de que ela ia entrar por aquela porta para me consolar, como sempre fazia. Mas dessa vez, ninguém estaria lá para me ver chorar.

E por mais que eu quisesse me trancar naquele quarto e beber pelo resto de minha existência agora miserável, eu precisava seguir em frente. Porque a única maneira de fazer jus à pessoa incrível que partira era mantendo sua memória viva pela eternidade.

Por mais que eu não tivesse sido capaz de dizer o quanto eu a amava antes de partir.

Me levantei, suspirando para afastar as lágrimas, e fui recolher os estilhaços.

Estilhaços (one-shot)Onde histórias criam vida. Descubra agora